"...apesar das características próprias que tem."
…subitamente o meu telemovel tocou, como tantas vezes toca sem me fazer sobressaltar, mas o nome no visor chamou particularmente a minha atenção, e aquela hora… Atendi pedindo desculpa sobre a mesa e interrompendo a conversa.
Era uma amiga, não percebi logo o que estava a dizer porque estava a chorar, e disse-me que estava perdida, se eu a podia ir buscar, e eu percebi que aquilo era um perdida entre aspas. Perguntei-lhe onde estava ao mesmo tempo que me levantava e pedia a conta à empregada, e após algumas descrições babadas percebi que ela deveria estar algures a descer do Carmo para a Avenida da Liberdade, mas assustou-me que também podia ser a descer de Alfama para Santa Apolonia que a descrição era a mesma… Ela não é de Lisboa, conhece mal a cidade. Assim de repente indiquei-lhe o Hotel Tivoli na lateral direita da Avenida da Liberdade como um local iluminado e com pessoas, onde ela pudesse esperar por mim em segurança enquanto eu não chegava.
Desfiz-me em desculpas com a minha interlocutora no Kaffa, sem grandes explicações, que compreendeu, e deixamos um café alinhavado para hoje ou para amanhã à tarde, para continuar a conversa, que ficaria assim em stand by, que eu não me esqueço, nem perco o fio à meada. Adiante.
Demorei 5 minutos de Telheiras ao Marquês, desci a Avenida pela lateral e encontrei-a sentada num banco de jardim em frente ao Tivoli, estava lavada em lágrimas, com os enormes e brilhantes olhos, todos vermelhos, e a destoar com a elegância das roupas sóbrias, da pele clara e do cabelo sempre tão bem tratado… estava também com um ataque de soluços que duplicou de intensidade quando me abraçou… Limpei-lhe as lágrimas, peguei-lhe na mão e entrámos no carro que tinha ficado parado no meio da estrada (e tal como alguém costumava dizer, nada acontece por acaso, e eu ontem resolvi ir de carro para Lisboa e não de mota, é curioso…)
Ela não me quis explicar objectivamente o que se passava e eu não insisti em perguntar, senti que ela gradualmente se estava a recompor e a sentir-se em segurança e decidi que essa era a prioridade… percebi pelo meio da subjectividade que o choro lhe deixou escapar, que um jantar qualquer com alguém não tinha corrido bem… e pelo meio de alguns desabafos, alguns bastante sérios e profundos, outros pessoais e por mim intransmissiveis, percebi que anda por ali uma profunda tristeza, assolapadora, que me fez sentir tão inutil e impotente… Assegurei-me contudo que não a tinham tratado mal, que não lhe tinham feito mal, e após várias voltas de turista-sem-destino pelos novos caminhos de trânsito condicionado da Baixa Pombalina, deserta, levei-a a casa, em Campo de Ourique, e remeti-a para a cama, para uma noite de sôno e para um telefonema hoje, para me assegurar que estava melhor, e que não me pedisse mais vezes desculpa que já me estava a chatear, e que era mesmo para isso que eu sirvo, para ela me ligar sempre que precise, sobretudo para não hesitar em ligar… Não lhe disse, mas intimamente agradeci-lhe por me ter permitido exercer a amizade que tenho por ela, por me ter dado oportunidade de ser Amigo… Não tenho tido muitas oportunidades de ser amigo das pessoas de quem gosto…
No caminho de volta para o Estoril, para casa, por associação de ideias, pessoas e locais, lembrei-me de um email que recebí esta semana, ao qual respondi numa única frase para não estar a causar incidências com uma resposta mais elaborada, e invariavelmente encontrei-me a estabelecer comparações, porque goste-se ou não, tudo é comparavel, compara-se, esgalham-se conclusões e tomam-se decisões, enfim, constato indubitavelmente que sei exactamente ao que me refiro com o que disse aqui, que se produz tanto dum lado como do outro do Rio, tanto a Sul como a Norte de Lisboa. Cidade branca de luz, cidade de conveniências... Imagine-se se eu fosse pessoa de guardar rancor.
Não me apetece escrever mais agora, vou ver o Mar.