No dia seguinte apanhei um táxi para a estação dos comboios, levantei o bilhete que a Seguradora me tinha reservado na bilheteira e esperei pelo comboio regional da Virgin Rail em direcção a Southampton. Por qualquer motivo só me tinham arranjado um carro em Southampton, que ficava 50 Kms para lá de Bournemouth, enfim, mais uma vez não discuti.
Tinha dormido num Bed & Breakfast mas não tinha acordado a tempo de tomar o pequeno-almoço, estava cheio de fome. Comi uma sandes caríssima, à pressa, e agora só me faltava ir buscar o carro alugado para poder continuar viagem. Na oficina da Nissan tinham-me dito que era preciso encomendar uma peça directamente da fábrica, no Japão. A reparação não era cara mas ia ficar sem carro durante 2 semanas. …e eu a ver a aventura a adensar-se, o que era para ser uma simples viagem de carro de Portugal até Inglaterra transformou-se em algo muito mais elaborado, se tivesse planeado a viagem desta maneira acho que tinha dado barraca, assim limitei-me a seguir o curso dos acontecimentos. Meti-me no comboio e contemplei a paisagem do Sudoeste da Inglaterra, basicamente verde, verde e mais verde, não me impressionava tanto como o Sudeste, talvez porque faltava lá a neve de Fevereiro…
Ia ter que passar o fim-de-semana para cá e para lá: De Plymouth para Southampton de comboio, depois de carro alugado de Southampton para Bournemouth, registar-me na residência universitaria onde ia ficar, depois continuar em direcção a Plymouth, passar as minhas bagagens do meu carro para o carro alugado e fazer o mesmo caminho para voltar para Bournemouth. Ai tinha que descarregar as coisas e depois voltar a Southampton para devolver o carro à Avis. Finalmente tinha que apanhar um comboio para voltar para Bournemouth.
A viagem de comboio demorou 4 horas, cheguei a Southampton ao fim do dia, entrei no balcão da Avis Rent-a-Car que ficava mesmo em frente da estação. Contrato assinado e chaves na mão dirigi-me ao parque de estacionamento do Aeroporto –também perto da estacão - procurei o lugar P31 onde não sabia que carro ia encontrar. Era um Fiat Punto, modelo de base, branco, poucos quilómetros e… …volante à direita.
“Bonito!”Instalei-me no lugar do condutor e senti logo uma falta de à vontade enorme, o habitáculo era minúsculo comparado com a banheira do Datsun e estava tudo ao contrario… Deixei-me ali ficar alguns minutos para me habituar, passei a cassete dos Headphones para o auto-radio, enrolei a
última que tinha e acendi-a,
uma pequena como sempre, para não ficar muito broado, só para pôr um sorrisinho nos lábios e fazer olhar à matador.
Pensei nos meus amigos filigrees, no que estariam agora a fazer, concerteza todos no café a ter conversas da bola e a não fazer mais do que no dia anterior. Provavelmente nos copos, antes de irem para o
Louvre, ou para o
Ruína, era sábado à noite…
Devagarinho lá tirei o carro do estacionamento, pedi direcções a um funcionário do aeroporto que me indicou que, para ir para Bournemouth, tinha que entrar na A31 em direcção a Este, para a direita do mapa, e ir sempre em frente até encontrar a tabuleta para Bournemouth, sair aí que depois era sempre em frente até lá chegar, pareceu-me ser suficientemente simples.
“Follow the signs, mate.” Disse-me ele.
A A31 estava mesmo ali perto, segui os painéis como ele me tinha indicado e encontrei-me do lado errado da estrada, quer dizer, do lado certo para eles mas do lado errado para mim. Que confusão, tudo ao contrario, as saídas e entradas do lado esquerdo da faixa de rodagem bem como os sinais de trânsito, os nomes de terras e as distâncias até lá chegar. A faixa de ultrapassagem era do lado direito –levei algum tempo e algumas buzinadelas até me aperceber que ultrapassar também se faz ao contrário - não é que fosse a ultrapassar, mas ia devagar demais na faixa de ultrapassagem.
Entretanto a noite tinha caído outra vez.
“Epá, é verdade, os dias aqui são mais pequenos.” As luzes dos carros que vinham em sentido contrário faziam-me uma grande confusão.
“-Ai, Vai bater, vai bater, vai bater…” mas passavam mesmo rentinho ao meu lado direito.
Tinha perdido os meus óculos duas semanas antes, no Algarve, e faziam-me uma falta do caraças, cada vez que parava para olhar para o mapa não reconhecia nenhum dos nomes que via nas tabuletas. Continuei assim durante uma hora. Passei por uma saída para a M23, em direcção a Londres. Imaginei que me ia divertir brevemente a curtir umas viagens até Londres, ir lá desbundar aquilo, talvez passar um fim-de-semana, talvez a caminho de Canterbury, em Kent. Sim, contava ir a Canterbury o mais depressa possível. Para mim ir a Canterbury fazia parte desta aventura, desde o momento em que resolvi meter-me nisto… Depois passei por Farham, Hilsea, Portsmouth e ao chegar perto de Chichester vi uma estacão de serviço a tempo de poder sair da estrada e parar. Consultei o mapa e nada de nomes conhecidos.
“Já me perdi…” Fiquei logo carêto.
Com o meu sotaque apurado de Turista perdido, perguntei o caminho ao homem da bomba de gasolina, disse-lhe de onde vinha e para onde ia, mostrei-lhe o mapa. Ele olhou para mim, depois olhou para o mapa, apontou para o sitio onde estávamos e sem dizer uma palavra seguiu a linha da A31 com o dedo até Bournemouth… …passando por Southampton, no lado esquerdo do mapa!
Pois, com a história da esquerda e da direita tinha-me enganado quando entrei na A31, em Southampton, e tinha vindo na direcção oposta, em direcção a Este. Não admira que não reconhecesse os nomes das terras, estava a olhar para o lado errado do mapa, quer dizer, estava a olhar para o lado certo do mapa mas eu é que estava no sitio errado, enfim. Um erro legítimo, mas lembro-me de pensar que esta era uma daquelas cenas que nunca ia contar a ninguém…
Meti-me no carro, meia volta na rotunda seguinte e fiz os 150 quilómetros de volta até Bournemouth num instante. Já estava mais habituado a conduzir à esquerda da estrada e com volante à direita, isto apesar de ainda abrir a porta cada vez que queria meter uma mudança, de fazer grandes rasas ao trânsito que vinha em sentido contrário, e de deixar a roda de trás subir o passeio cada vez que virava à esquerda.
A cegada em Espanha e o facto que o meu carro – com as minhas coisas todas - ainda estar avariado em Plymouth passou-me ao lado. Estava extasiado com a vida que me esperava, com aquele momento, o triunfo de muitos esforços e o primeiro dia de um plano ambicioso a que me tinha proposto. Fumei um saboroso cigarro ao som de “
Time” dos Pink Floyd.
“Home
Home again
I like to come here
When I can
And when I come home
Cold and tired
It’s good to warm my bones
Beside the fire…”A paisagem de verdura e árvores da New Forest começou a dar lugar às primeiras casas, abrandei um pouco…
A determinada altura coroei a minha já longa viagem com uma acolhedora e bem iluminada tabuleta dizer WELCOME TO BOURNEMOUTH, o tal destino final que a gaja da Seguradora nem conhecia mas que para mim era o El Dorado há mais de dois anos.