actus non facit reum nisi mens sit rea
Acenei-lhe que sim com um leve sorriso, mas ele insistiu, "Vai para cima ou vai para baixo?", em tom de brincadeira
"Vai em frente!" respondi, tapando o telefone com a mão, mas sem qualquer esboço de sorriso e sem esperar resposta alguma... naturalmente ele também não respondeu e entrou para as instalações disfarçando o incomodo de me estar a interromper...
Passados uns instantes terminei a conversa telefónica e desliguei o aparelho para fazer outra chamada, e enquanto aguardava sinal de chamada dei comigo momentaneamente a reflectir no eco da resposta que lhe tinha dado, e num laivo de tomada de consciência, breve, breve demais, mas longo o suficiente para não cair no esquecimento, inflecti remorso, não pela resposta em si, mas pela forma, meio ríspida, como respondi... O momento foi sináptico.
Já estava de novo envolvido em nova chamada telefónica quando ele saiu. Assim que o vi, sem me focar particularmente numa atitude ensaiada ou mecânica, vi a minha naturalidade guiar os meus gestos e interrompi o meu interlocutor no telefone para me despedir do fornecedor. Acerquei-me, ele abrandou o passo, e despedi-me dele com um aperto de mão ao mesmo tempo que a memória se desentorpeceu e lhe perguntei pelo filho, de 2 anos, que num fait-divers de open space que mal retive uns meses antes, me tinham dito estar acomedido de alguma doença grave...
“O menino já está bom Dr, graças a Deus, obrigado, tudo de bom para si.” E foi andando.
Terminei a conversa telefónica e o cigarro (sim, de vez em quando ainda fumo um cigarro) e voltei a entrar deixando-me envolver pelo quotidiano frenético da actividade empresarial.
Fui aumentado, o meu ordenado aumentou algumas dezenas de euros contrariando a tendência não só na empresa como na generalidade anunciada para o sector privado. Alguma coisa devo estar a fazer certo... Numa breve análise que fiz aos processos sob minha tutela acuso uma média de margem bruta superior a 35%, largamente superior à média estimada de 20% da empresa e sem ter acesso às ferramentas financeiras de gestão comercial de que dispus no meu passado profissional e que combinadas com uma melhor gestão de tesouraria poderia facilmente aumentar a rentabilidade mais uns 2 ou 3% (o que num orçamento de 7 algarismos faz bastante diferença). Naturalmente esta noção esbarra na parte de “melhor gestão de tesouraria”, e eu apenas mando em minha casa... Adiante.
Lembro-me de ter escrito um pequeno desabafo aqui há uns anos, que embora não ligue directamente com o episódio à porta da fábrica, me faz voltar à parte da reflexão da antítese entre o gesto mecânico e a atitude de naturalidade... Relendo essas palavras hoje faz-me acender uma luzinha no tablier (outra) e considerar que tenho que me focar mais em mim, cultivar o espelho do meu formato que deixou de mostrar o meu conteúdo, pelo menos não tanto como eu gosto que aconteça em todo o caso...
Na tal análise que fiz aos meus processos constatei que a espaços a minha rentabilidade assentou no espremer dos fornecedores, e aquele com quem me cruzei já me apoiu a montande contribuindo para o resultado a jusante do negócio. Tento ter uma conduta nos negócios tão verticalmente integrada como o faço na vida privada, envolvendo-me no que é importante para mim, e mais ainda no que é importante para quem circula em meu redor. De facto, mesmo que apenas eu tenha gozado com o meu sarcásmo privado, a verdade é que isto não vai nem para cima nem para baixo, e vai simplesmente em frente, e até vai ainda a meio-gas. Cabe-me a mim assegurar que sei para onde vai, e acelerar o passo com a minha moral intacta, sem ter que chegar lá aos atropelos.