Cada vez mais me apercebo que este blog se tornou numa espécie de disco externo do meu cérebro, e tal como o disco externo do meu pc, escolho o que guardar no disco rígido, e o que chutar para o disco externo. Assim, vou saltar o dia de natal -
que este valeu a pena guardar só para mim - e vou directamente para o boxing day (google it), e seguintes...
Gosto de estar em Lisboa, gosto do Inverno temperado e de sentir o cheiro da maresia no ar. Revejo sempre montes de gente que não vejo há montes de tempo, alguns julgam que eu ainda moro em Inglaterra (voltei de Inglaterra em 2002), outros não se aperceberam que eu já não moro no Estoril (não moro no Estoril vai para 7 anos).
De estrangeiro em terra estranha a estrangeiro na minha terra e agora estranho numa terra onde todos se tratam como estranhos entre si...
Vir a Lisboa de mota é sempre uma aventura, revigora-me, e a Virago está a envelhecer que nem vinho maduro, cada kilometro traz sempre um novo sabor que descubro a cada mudança de velocidade, a cada ultrapassagem a meio gas, a cada recuperação de roda a patinar, a cada curva atrevidamente inclinada... Lisboa está diferente e eu estou igual, ou será que é o contrário? Quando cá estou, depois de fazer as voltas do costume e de parar em tudo o que é praia e esplanada que a memória não esquece, gosto de fugir do limpinho da costa do sol e vir ver as vistas da margem sul, perder-me na A2 ao estilo "125 azul" e depois voltar pela N10, passar pelos dormitórios decadentes de Esquerda e pelas vielas de Almada velha. Cai-me rápidamente a moeda porque também eu vivo num dormitório da periferia do Porto, com uma sujidade diferente, lixo humano, ou talvez não, mas definitivamente de caracter sujo por anos a fio a levar com ferrite nos olhos, com cola de
obra nas mãos e com a vida feita de aparências no olhar...
Passar a ponte sobre o Tejo tornou-se num ritual que mantenho há 20 anos, seja para ir surfar, seja para ir comer carnes exoticas e peles sazonais, ou para degustar vinhos finos feitos de castelão de solo arenoso de palmela e envelhecidos em carvalho francês. O regresso a Lisboa surge sempre como um renascer, um voltar à superficie e para variar sem ter uma Euridice a transformar-se em estátua de sal atrás de mim... Euridice... (nota mental para acabar o email que ficou a meio no hotmail antes que ela deixe de se encantar com as minhas palavras).
Ao chegar à margem norte deparo-me sempre com a escolha entre a saída de alcântara, a da A5 para cascais, ou seguir em frente e sair ao calhas até me perder por sinuosos caminhos em Lisboa, pelas backstreets e pelas aves raras que se observam nas zonas de bares de putas, as backstreets que se já me atrairam em tantas cidades da europa e do mundo, porque não conhecer as de Lisboa também...? Passo a ponte e viro à esquerda, a auto-estrada está perigosa, desço monsanto a 200km/h, e saio lá no alto antes de me tornar numa estatistica. Mais backstreets, dormitórios periféricos, prédios sujos, gente feia... caiu a noite, a Virago flutua incógnita ao
ralenti, stealth, como uma missão no aglomerado populacional deteriorado dos arredores da cidade, operação de rotina, rua sim, rua não, faço um levantamento de padarias e boutiques de pão, sem gps, sem viseira, sem me esconder e a entrar no café de cada esquina, mas sem denunciar a minha posição com a utilização do
iPad, apenas eu e a minha pura estupidez natural, sem me fazer notar mais do que ser, do que estar, e esperar...