O Velho Que Encontrou O Amor Na Repartição De Finanças (Parte II)
Isto é a continuação deste post publicado pelo autor do Elasticidade.
(...)Depois, desviando o olhar para baixo, retirou-lhe os impressos da mão trémula, desfez o clip num gesto mecânico e percorreu as folhas com os olhos - aqueles grandes olhos azuis. Ferreira ficou imóvel. “Preencheu as minutas todas, Senhor...?” Perguntou, afastando-se para junto da velha Xerox. Ferreira, ficou mudo, boquiaberto, observou através das bi-focais a forma eximia dela manipular os impressos na fotocopiadora, funcionário público há 30 anos, reconheceu-se imediatamente nos seus gestos. Piscou os olhos várias vezes, ao olhá-la de novo sentiu o sabor adocicado da geleia de morango que comera com as torradas do pequeno almoço a vir-lhe acariciar o fundo da língua. Foi invadido por uma tentação louca, inundado por uma vontade louca, um desejo há tantos anos reprimido, estrangulado, frustrado, quase extinto pela abstenção forçada da enxaqueca crónica da sua Graciete. Fixou-a de novo, agora sentada à sua frente do lado oposto do balcão, sentiu o perfume dela, tão perto... Queria tocar-lhe na pele, acariciar-lhe a face, sentir o seu cabelo... mas nem o seu próprio nome lhe tinha conseguido dizer, os anos tornaram-no fraco e a Graciete tornara-o púdico. Ela não o viu a olhar e continuou sentada a escrever, cabisbaixa, com a farta cabeleira loura já a mostrar as raízes negras dos cabelos mal oxigenádos. Ferreira sobressaltou com o estrondo seco da máquina de timbres quando ela, sem jeito, lhe autenticou os documentos com um selo branco da Republica. Sem a conseguir olhar nos olhos Ferreira pegou no molho de papeis que ela lhe estendeu e arrumou-os na pasta, tirou os óculos, dobrou-os e forçou-os no bolso da camisa, depois virou-se silencioso e afastou-se. Ao caminhar para a saída da repartição sentia a cor do casaco de malha a torturar-lhe a vergonha, nunca tinha gostado daquele casaco, mas tinha-o herdado dum cunhado que ficou na Guiné e usava-o por respeito à sogra. Já na rua fitou o seu reflexo distorcido na montra da pastelaria da esquina, as mãos tremiam-lhe tanto... deixou cair a pasta, os papeis espalharam-se no chão. Apressou-se a apanha-los do chão e só então reparou no post-it amarelo, manuscrito, colado no verso do impresso já autenticado...
(...)Depois, desviando o olhar para baixo, retirou-lhe os impressos da mão trémula, desfez o clip num gesto mecânico e percorreu as folhas com os olhos - aqueles grandes olhos azuis. Ferreira ficou imóvel. “Preencheu as minutas todas, Senhor...?” Perguntou, afastando-se para junto da velha Xerox. Ferreira, ficou mudo, boquiaberto, observou através das bi-focais a forma eximia dela manipular os impressos na fotocopiadora, funcionário público há 30 anos, reconheceu-se imediatamente nos seus gestos. Piscou os olhos várias vezes, ao olhá-la de novo sentiu o sabor adocicado da geleia de morango que comera com as torradas do pequeno almoço a vir-lhe acariciar o fundo da língua. Foi invadido por uma tentação louca, inundado por uma vontade louca, um desejo há tantos anos reprimido, estrangulado, frustrado, quase extinto pela abstenção forçada da enxaqueca crónica da sua Graciete. Fixou-a de novo, agora sentada à sua frente do lado oposto do balcão, sentiu o perfume dela, tão perto... Queria tocar-lhe na pele, acariciar-lhe a face, sentir o seu cabelo... mas nem o seu próprio nome lhe tinha conseguido dizer, os anos tornaram-no fraco e a Graciete tornara-o púdico. Ela não o viu a olhar e continuou sentada a escrever, cabisbaixa, com a farta cabeleira loura já a mostrar as raízes negras dos cabelos mal oxigenádos. Ferreira sobressaltou com o estrondo seco da máquina de timbres quando ela, sem jeito, lhe autenticou os documentos com um selo branco da Republica. Sem a conseguir olhar nos olhos Ferreira pegou no molho de papeis que ela lhe estendeu e arrumou-os na pasta, tirou os óculos, dobrou-os e forçou-os no bolso da camisa, depois virou-se silencioso e afastou-se. Ao caminhar para a saída da repartição sentia a cor do casaco de malha a torturar-lhe a vergonha, nunca tinha gostado daquele casaco, mas tinha-o herdado dum cunhado que ficou na Guiné e usava-o por respeito à sogra. Já na rua fitou o seu reflexo distorcido na montra da pastelaria da esquina, as mãos tremiam-lhe tanto... deixou cair a pasta, os papeis espalharam-se no chão. Apressou-se a apanha-los do chão e só então reparou no post-it amarelo, manuscrito, colado no verso do impresso já autenticado...
3 passageiros clandestinos:
Engraçado. Fizeste.me lembrar Citizen Kane. Não me perguntes porquê...
Posso ao menos perguntar-te porque é que não te posso perguntar porquê? ;)
ficou muito bem! e explica a minha pergunta ao luís...
Chamar a hospedeira para Enviar um comentário
<< Regressar ao cockpit