(…)
Tenho escrito coisas em bocados de papel, outras em documentos word, a maior parte delas sem ligação, quase sem nexo, pequenos fragmentos desligados entre si, momentos, pensamentos, alguns sentimentos... Há coisas que não preciso de escrever porque me estão gravadas na mente, sei-as de cor.
Enfim, tenho escrito porque pouco tenho para dizer... ou já não quero dizer, faço uma espécie de voto de silêncio, voluntário, e não o silêncio violento a que me vi exposto durante tanto tempo! Simplesmente Silêncio.
Santuário.
(O som do silêncio)(...)
Tenho saudades do meu gato.
(...)
Têm-se passado vários momentos em branco nas últimas 3 semanas, momentos que não consigo posicionar numa estrutura cronológica que pudesse agora encadear numa descrição do que tem sido a minha vida (como se isso dissesse respeito a mais alguém do que a mim próprio). No entanto tenho um blog, e porque foi sábado, e eu gosto de escrever ao Sábado, heis alguns fragmentos do que se tem passado na minha vida, no meu quotidiano, coisas que se têm passado comigo e coisas que me têm passado pela cabeça, fragmentos de mim.
Momentos
Mementos,
do fim para o princípio
tal como no filme…
(...)
No fim, o que sobra não são as palavras dos inimigos, é o silêncio dos amigos...
(…)
Não vou esmiuçar mais a cabeça, não me vou entregar a torturas privadas, mais torturas não, não aguento mais... Não sou talhado para melo-dramas prolongados, nunca fui, resolvo os meus problemas, sozinho se tiver que ser (quantas vezes nesta vida?!), faço-o melhor que sei, o melhor que consigo, e não admito que me venham dizer o contrário, que faça assim ou foi assado, ou devia ter sido cozido, e foi grelhado... Frito não estou, simplesmente fui cozinhado - e bem passado! (Risos interiores, já é um princípio).
Hoje sei, constato, que saí lesado e muito magoado de uma situação que por muito que tenha sido uma batalha travada a dois, acabou por se tornar numa batalha muito desagradável contra mim. É preciso 2 para o Tango, 2 para resistir... Mas basta 1 para desistir...
Haveria necessidade?
Dizem que o sangue é mais espesso que a água. É seguramente mais cruel.
Presentearam-me com algo que nunca vou ter que agradecer... Quem sabe um dia retribuir o presente, ou não... A vida tem uma forma muito própria de se encarregar de corrigir erros assim... há quem lhe chame Karma, há quem acredite... What goes around, comes around!
Mas não, eu aceito o "presente" que tão elaboradamente me ofereceram e continuo em frente, não ficarei a remoer; Valores mais altos se levantam, tenho mais com que me preocupar, tempo a recuperar, um corpo para cultivar, uma mente para sanar, uma alma para acalmar, e uma ferida aberta para sarar.
...e o que sobra realmente não são os desatinos, os conflitos, as discussões, as privações ou os momentos tristes, não, não quero guardar isso, não quero.
Sobra apenas um apanhado de momentos felizes, a ternura, a cumplicidade, a confiança e a amizade...
Sobra o Amor.
Porque o Amor é mais espesso que o sangue!
Sobra um sonho...
...e nasce um novo objectivo
Nascem 1000 objectivos
Morre o Amor, mas o sonho, esse nunca se deve deixar morrer.
(...)
A minha escrita não é vadia, escrevo quando me apetece, uso a escrita, abuso da escrita, escrevo o que me apetece, no papel, na areia com um pau, na internet...
Hoje decidi que este Blog que tantos gostos e desgostos já me viu escrever vai ficar em suspenso até nova ordem, até o caos se dissipar...
Voltarei a escrever aqui, não sei quando, mas voltarei...
A "velocidade de cruzeiro" já não me chega, isto agora tem que andar à velocidade da luz, sem nada a prender-me os movimentos, sem ninguém a castrar-me, sobretudo sem ter mais nada a perder, tal como estava destinado... Sempre esteve, nunca duvidei, nunca...
... e quem estiver está, quem não estiver estivesse, e que que viva com isso!
Retomo o meu caminho, o caminho que me está(va) destinado, que sempre esteve, que não deixei de procurar (e já estive mais perto), e é nisso que eu acredito, sempre acreditei e apesar de todas as adversidades que enfrentei, ainda consigo acreditar, ainda mexe...
Assim, durante uns tempos vou escrever para outras paragens, deixar a escrita voar, levar-me para fora de mim, transportar-me, evadir-me, voar mais alto... Escrever como se hoje fosse há 3 anos, e amanhã apenas outro dia, um dia depois de ontem, uma presença, um passo à frente ou um passo atrás, mas perto daqui, cheio de cor como sou, com sabores e cheiros divinos...
Está decidido.
(...)
Entretanto o Jipe gripou. Isso serviu para alegrar o meu ínicio de semana e afastar da mente a Feira de Maio que se avizinha... Em vez de haver desatino no escritório houve uma estranha calma, e por fim o mistério desvendou-se: "
Ó Dr., você não quer reconsiderar a sua rescisão? Ficava cá mais 1 mês ou 2, para pormos a empresa a funcionar como deve ser."
Respondi que ía pensar nisso só para não ter que a mandar apanhar onde ela mais gosta! É que eu tenho plena consciência que em parte, esta merda toda também teve um contributo vindo das merdas odiosas dela...
Mais 1 mês ou 2... Acho que ninguém faz ideia do suplicio e da tortura diária que é para mim ter que vir para esta terra todos os dias, quando todas as minhas fibras gritam para eu fugir daqui, desta terra que se tornou a minha terra, onde finalmente consigo "jogar" em casa (passo a ironia), onde conheço e sou conhecido, onde vivi, e onde agora me sinto amputado...
(...)
Passa-se um Fim de Semana tranquilo e sem se dar conta é Domingo à noite. Passa-se um dia a intervalar coisas diferentes entre si, caixas de cartão com passeios em jardins, convívios fortuitos com momentos de introspecção, serenidade com compaixão. Mas a memória ainda está muito fresca... Nem o Mar a consegue apagar.
Os últimos meses foram violentos, tinha que ficar aqui um par de dias para escrever sobre isso e tudo o que indirectamente se lhe associa, teria que reviver coisas que não me posso neste momento permitir reviver, não as quero reviver, foda-se, cruzes canhoto…
Foram meses terrivelmente violentos, física, mental e sobretudo emocionalmente, mas acredite-se que foi um passeio no parque comparado com a violência das últimas semanas, essas então primaram pela perversão e pela maldade gratuita nas coisas a que me vi sujeito, excederam-se, do pior que há na natureza humana, coisas que eu nunca imaginei… -Tóto!
Gostava de poder dizer que não fui afectado… Mas não me sinto particularmente invencível nos dias que correm, não como antigamente, como já fui, e não foi há muito tempo… Hoje sinto-me derrotado (Overwhelmed), mas sei que é passageiro...
Contudo, ocorre-me citar uma música dos “Cock Robin” que diz tudo sobre mim e que gosto de cuspir na cara dos galos de poleiro quando preciso de os pôr no degrau deles:
“don’t mistake me to be broken down
Just because I’m on my knees
I can withstand almost anything
I was born with teeth”(…)
Saímos para ir buscar a minha Mota (ainda não me habituei ao possessivo no singular) que estava parada há 3 dias na estação do Oriente. Pelo caminho veio a pergunta: “Não queres vir beber um copo?” A pergunta surgiu sem grande surpresa para mim… Um copo à beira do Rio Tejo, duas colegas do Banco, um passeio de mota pela cidade iluminada, pela noite de Lisboa. Um sobrinho preocupado com um tio que podia ser irmão... Fez sentido e foi honesto, foi família e fez-me estabelecer algumas comparações inevitáveis, mas descontaminei imediatamente a mente. “Hoje é sexta feira não é? ‘bora lá então ver isso…”
Foi agradável, revitalizante em certa medida, esfoliante, foi o que eu quis que fosse, foi saudável. À noite já em casa trouxe comigo a memória de uma conversa inteligente pela noite dentro, que há tanto tempo não tinha, há tempo de mais…
Trouxe também uma foto de uma tatuagem engraçada e ousada, histórias de uma CBF 250 e um passeio de moto prometido, quem sabe um baptismo de concentração. A ideia agradou, mais do que me assustou, e pouco mais do que permiti dar ficou lá do outro lado. O futuro desenha-se assim, à beira rio.
Um dia de cada vez, sem misturar sonhos, planos e fantasias, e sobretudo sem as falsas promessas de quem nos diz que nos quer bem mas que só o mostra quando convém.
(…)
Debato-me com uma nova luta: Não guardar rancor. O rancor não tem nada a ver comigo nem com a minha maneira de ser, sou magnânimo, sempre fui, geralmente (para não dizer sempre) gosto de conseguir eventualmente perdoar tudo, supero-me... Talvez por me superiorizar, tomar consciência das limitações dos outros e adaptar-me sem os tentar mudar para meu conforto, no fundo tomar consciência das minhas origens, da minha experiência de vida, da minha educação, da minha herança moral, e sobretudo da minha formação pessoal…
“Cromo, Encostado, Provocador e Preguiçoso”… aguento bem com isso vindo de onde vem, resvala como sempre resvalou numa carapaça que quem quiser que adjectivize.
Mas “Incómodo” não, não isso não, não posso, isso é insulto gratuito, e o insulto é a arma dos fracos (mas quantas mais provas preciso?), isso inviabiliza uma porta que se pode fechar de frente e faz com que se a feche de costas, que se bata com porta e se cuspa no chão com escárnio. As pessoas têm aquilo que merecem, vivem as ilusões do dia-a-dia sem verem a “big picture”, e depois enchem-se de si próprias para reclamar seja lá o que for que acham que um dia vão encontrar… Desejo tudo de bom, sorte e felicidade, é tudo o que me resta fazer para manter a dignidade, um de nós tem que o fazer, ser digno.
...e eu nunca fecho uma porta sem deixar uma janela aberta, é assim que sou!
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Apesar de ser fim do dia o Sol ainda raiava o num horizonte que não se vê da rua, o trabalho foi mais um dia de inferno, se ao menos não tivesse feito aquela escolha forçada pelas circunstancias… mas como podia eu adivinhar? Contudo, constatada a adversidade, se ao menos eu tivesse podido não ter que arcar com aquilo sozinho tanto tempo, poder partilhar, pedir consolo, um ombro que era suposto estar lá, sei lá, desanuviar sem que nada em troca me fosse cobrado, pelo menos poupava-me, ajudava-me, era suposto funcionar assim, reciprocamente, era esse o entendimento, a cumplicidade... Cumpri a minha parte, digam lá o que a conveniência os faça agora dizer!
Naquele momento, após me ver outra vez perdido numa rotina que já não é minha, caguei para o sítio onde o carro ficou estacionado e corrigi o erro com uma ida a um local costumeiro, e gostei muito de ouvir o Sr. Artur (a quem já consegui ganhar um jogo de Xadrez) a cumprimentar-me com um sorridente e sincero "Prazer em vê-lo". Sentei-me numa mesa e pedi um Beirão. Depois joguei dardos e bebi incontaveis minis com um antigo protagonista de reality show que eu nem sabia que simpatizava comigo, mas que me desafiou para jogar com ele, que conversou, que mostrou tomadas de posição favoráveis que tinha tomado no passado, que agora já pouca diferença fazem, mas que valem pela intenção...
Mais tarde apareceu um amigo de encontro combinado comigo (gosto de pensar que é Amigo, o tempo o dirá), conversamos um bocado e gostei bastante do que ouvi. Mais tarde, já com a porta fechada, juntaram-se à nossa mesa 2 tipas que eu mal conhecia de vista mas que me conheciam melhor do que eu as conhecia a elas, que sabiam mais da minha vida privada do que eu gostava que soubessem, e ainda, pasme-se, com uma atitude nunca vista, todas chegadas à frente para cima de mim...
Deu-me vontade de rir por dentro, afinal não estava perante nenhuma situação nova para mim, simplesmente há muito tempo que não permitia a ninguém ter esse tipo de abordagem para cima de mim.
Dizem que a carne é fraca, mas a minha não é assim tanto, dardos, minis, risos e alimenta-se por brincadeira a conversa de quem quer mais que conversa, mas de mim nada mais que conversa de engate, nada de vãos de escada mal resolvidos, não há aqui nada que tu queiras filha e eu não tenho nada para te dar, nem quero...
…eram 5 da manhã quando desmaiei para 3 horas de sono mal dormido no sofá do meu amigo, sozinho, sozinho porque foi essa a minha escolha. Porque o facto de ter uma carta na manga, não quer dizer que seja trunfo...
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Na melhor das intenções, com toda a frontalidade, fiz a proposta que me pareceu mais natural, ficou combinado por messenger, e mesmo assim ainda telefonei para confirmar que era mesmo assim. De qualquer forma ainda faltavam 10 meses para fosse lá o que fosse em que me estava a meter. Enfim, após estar tudo combinado e confirmado, por escrito e por telefone, comprometi o meu nome junto de pessoas que me conhecem há vários anos, e de outras a quem não devo nada e que só ouviram contar histórias de mim (umas verdadeiras seguramente, outras com a verdade selectivamente distorcida para servir proveitos próprios de aceitação num grupo - A psicologia de grupos é uma coisa engraçada de se ter estudado), e pelo meio ainda fiz um favor, genuíno, porque é assim que eu sou, e o dinheiro para mim não é determinante da felicidade ou de se atingir objectivos. Senti-me feliz por conseguir um ponto recíproco de equilíbrio, de estabilidade para um novo futuro que se desenha por linhas tão tortas…
O que se seguiu foi uma verdadeira facada nas costas, um dos golpes mais baixos que alguém alguma vez me fez, uma daquelas desfeitas que não se perdoa muito facilmente, foda-se, pareço bonzinho a falar assim, foi uma filha da puta de uma desfeita traiçoeira e cobarde, ofensiva e mesquinha, e sobretudo alimentada pela mentira de quem nitidamente só consegue mentir para encobrir a merda que faz… Mordi-me todo para tentar apagar o fogo em vez de entrar numa onda de vingança cega, que era o que a coisa merecia… (Nota: A última vez que me fizeram uma parecida com esta, a minha vingança causou mais estrago e mais danos colaterais do que eu tinha previsto, mas soube a mel, pratos finos e elaborados que se servem frios, há que se ser gourmet, e nestas coisa eu sou um bom prato!).
Mesmo assim, com labaredas nos olhos, resolvi a situação o melhor que pude e isso passou em parte por ter que expor publicamente a desfeita… Recaiu sobre mim o ónus da prova, foi tão simples como envia-la por email para quem tinha sido um perfeito pato/a e se deixou instrumentalizar sob pretextos falsos e dissimulados (pergunto-me se não terá sido premeditado). Conhecendo as pessoas em questão, sei bem que já estão de sobre aviso para determinados comportamentos, as pessoas não são parvas.
Ao fim do dia, ultrapassada aquela situação, encontrei em mim um sentimento de pena, senti verdadeira e sentida pena e compaixão de quem me colocou naquela situação… É triste ter-se pena de alguém de quem se gosta, mas como sempre disse, as pessoas têm aquilo que merecem, e às vezes têm um bocadinho mais porque nem toda a gente se tabela por baixo, no meu caso, prefiro sempre comparar-me a quem faz melhor que eu, e não a quem julga que sabe muito.
(...)
Mal acordei nem dei conta da realidade e entrei em modo autómato numa breve e improvisada rotina matinal. Assim que entrei no elevador um medo enorme apoderou-se de mim... Olhei-me no espelho, sem fato e gravata, sem me ter barbeado, sem duche e, o mais grave de tudo que me dá vontade de partir a loiça toda, sem brilhozinho nos olhos, roubaram-mo... Capacete numa mão e pasta de executivo na outra. O elevador parou no piso da garagem e o medo passou para segundo plano, a missão imediata era encontrar no meio de tantas caixas iguais uma alça para poder levar a pasta ao tiracolo. Perdi 10 minutos até a encontrar (mais 10 minutos desperdiçados)...
A Mota pegou bem, o som do motor em "V" encheu a imensa garagem e fez com que uma pequena réstia de adrenalina que eu desconhecia ainda ter se dissipasse reconfortantemente nas minhas veias. O medo dissipou-se. Abotoei o blusão de cabedal, carreguei no botão do comando para abrir a porta da garagem e fiz-me à estrada.
No céu coberto de nuvens cinzentas adivinhava-se um frio matinal que há muito deixou de me afectar o comodismo mas que me fez pensar que podia ter trazido uma camisola interior... Era apenas uma questão de acertar na caixa certa. Quantos minutos do meu tempo terei mais que perder? Quantas horas, quantos dias?
Do Lumiar a Alvalade correu tudo bem, mas na 2ª Circular a mota falhou duas vezes (mau contacto na ignição) e das duas vezes me ia espalhando no meio das faixas de rodagem ao tentar manter uma rota estável enquanto me inclinava acrobaticamente para encontrar o ponto certo da chave (situada por baixo da minha perna esquerda) e seguir viagem por entre o tráfego...
O medo de enfrentar o dia que tinha sentido no elevador deu lugar à raiva por ter que o fazer naquelas condições, e isso pouco ou nada tinha a ver com a mota.
Uns pingos de chuva miúda que começaram a cair teriam sido apenas mais uma acha na fogueira, mas para mim foram uma bênção, enfim, uma ilusão de poder lavar a alma, limpar a mente e desinfectar o coração...
...mas nem deu para molhar a estrada.
Ao chegar ao Oriente escolhi um local aleatório para prender a mota com um desinteresse total se ficava à chuva ou ao Sol, se ficava bem ou mal estacionada, se ma roubavam ou não... Lembrei-me das minhas colunas pioneer de 120Wts, mas isso é outra história, e eu raramente faço o mesmo erro 2 vezes. Resolvi levar o capacete comigo, pelo menos assim quem reparasse nos meus olhos a lacrimejar iria naturalmente pensar que tinha sido apenas do vento de vir a andar de mota... Odiei o mundo e todos que o poluem com a sua inutilidade e futilidade, mas a constatação de que me tornei numa pessoa amargurada fez-me afastar esse pensamento e substitui-lo por condescendência, pobres de espírito….
Apressei-me a comprar um bilhete mas mesmo assim perdi o comboio. Lembrei-me dos 10 minutos desperdiçados tão desnecessariamente na garagem e o índice de raiva aumentou exponencialmente, voltei a descer da estação e sem dar conta que tratei mal a empregada sorridente do café no piso inferior, engoli uma bica em modo automático para poder ir sentar-me na gare a fumar o 3º ou 4 cigarro e esperar pela merda do comboio (ao que me vejo reduzido)
Estava na rua há pouco mais de 45 minutos e já estava exausto, mentalmente exausto, mas com o corpo a 200... De facto a resistência humana é uma coisa fantástica, enfim, só posso falar por mim.
Na gare ignorei o comboio que acabava de chegar do lado suburbano da cidade e sentei-me perto de uma gaja qualquer que me perguntou se o comboio que íamos apanhar parava em Vila Franca de Xira... Respondi que não sabia, e não sabia mesmo, embora fosse essa a minha estação de saída, onde tinha deixado o carro na noite anterior.
(…)
Tive um sonho, sonhei, é raro lembrar-me dos meus sonhos... Tive um sonho entre o adormecer profundamente e o despertar com a violência de uma mensagem SMS a meio da noite… O sonho teve um carácter altamente pornográfico e envolvia uma forma de “jarra chinesa” feita de porcelana fina, moldada com curvas perfeitas e com nouances de influências orientais e exóticas. Perco-me na paisagem...
Se o sonho que tive quase me fez ter um orgasmo involuntario, já a mensagem SMS, embora me tenha estilhaçado a imagem do vaso e do sonho, acabou por completar o próprio sonho em estado acordado, e trouxe deliciosas lembranças de outros momentos, momentos de amor, momentos, um entre tantos, momentos que ficarão indelevelmente marcados, tanto aqui, como ali, como lá, é a ordem natural da vida, momentos que ficam na memória quer se queira quer não, e momentos que se perdem no tempo, como lágrimas que se perdem na chuva.
A puta da ironia parte-me todo.
(…)
Apanhei o último Metro mesmo à pele...
Mais um minuto e a noite era minha...
Começo a ser vencido pela exaustão...
8 paragens de espera...
3 pessoas na carruagem...
1 bilhete na mão...
Foda-se para esta merda toda…
(...)
Já era hora do almoço, ao sair do local de trabalho e dirigir-me à Vila confundi o local de estacionar o carro, a rotina tem destas coisas, tanto se vive com a própria rotina, como se é vitima da rotina alheia. Mas já estava ali na rua, foi apenas uma questão de entrar numa das portas mais adiante da do costume... "Pois é Dona Aida, como ainda trabalho aqui..." Almocei uma sopa forçada e fiz um brinde virtual a um aniversário que pouco sentido estava a fazer para mim naquelas circunstancias, um brinde profundamente triste, mas sentido e sincero, tal como eu sou. Paguei a despesa e fui-me embora sem me despedir.
Nesse dia, sob desculpa de ir a Fátima, tirei a tarde para tratar de assuntos pessoais urgentes... Não cheguei tão longe como Fátima, mas fiquei-me pela meia distância.
Estacionei em frente ao portão entrei naquele local sóbrio e triste mas que se tornou tão familiar para mim. Não me demorei muito, e desta vez não levei flores, não acendi uma vela nem deixei uma palavra escrita. Também não chorei. Simplesmente disse o que tinha a dizer, e a resposta que tive só eu sei qual foi, e não foi novidade nenhuma para mim. Despedi-me com um agradecimento sentido e um "até à próxima" porque é essa a minha convicção, e fiz o caminho de volta até Vila Franca de Xira em menos de 45 minutos.
Em VFX tratei do que tinha a tratar (foi rápido e frutífero) e como acaso entrei numa casa de tatuagens... Mas saí em menos de 5 minutos... Não uso tatuagens, piercings, operações plásticas ou qualquer outro tipo de amplificadores artificiais de auto-estima, não preciso, nunca precisei, embora neste momento reconheça que me faz falta desenvolver um bocadinho mais uma auto-estima que sempre foi tão elevada, mas que tem sido gratuitamente tão maltratada.
Deixei o carro perto da estação de VFX e voltei para Lisboa de comboio.
Durante a viagem a minha irmã mais nova telefonou-me para me oferecer um bilhete a mais que tinha para a final da taça de Portugal. Perguntei-lhe se por acaso não tinha dois. Não? Então deixa lá, de qualquer forma não estava planeado ir ver a final da taça, não mais do que o desejo de um dia ir ver, e levar a ver, determinada equipa com quem simpatizo a jogar um jogo em casa, ao vivo!
Não há de faltar quem o faça por mim, seja com que segunda intenção for…
Na estação do oriente deparei-me com um dilema que a ausência de rotina não me deixou ultrapassar. Ainda nessa tarde tinha feito um brinde, e resolvi completar o ritual. Comprei 1 presente de aniversário e arranjei uma milagrosa maneira de o multiplicar por 3 presentes. Enviei um SMS que me custou bastante a escrever, e mais uma vez acabei por me deixar humilhar… Filha da puta de hábito! Que me sirva de lição! Pelo meio pedi a uma perfeita estranha que me desse um nó na pulseira personalizada que acabara de mandar fazer.
Depois desse momento perfeitamente desnecessário, as cervejas que bebi com um conterrâneo que encontrei no Metro serviram para, como diz o Sérgio Godinho, “afogar as mágoas num mar de cerveja”.
(…)
Já não estava habituado a andar de XT, sobretudo numa 600 com pneus de piso misto, à estafeta. Nada de cavalinhos a descer o Campo Grande (já foi há muitos anos que conseguia descer a Avenida da Liberdade toda em cavalo), simplesmente um pequeno prazer que me foi proporcionado por alguém que gosta de mim, alguém que me conhece, alguém que me admira, pelo que sou, pelo que fui, pelo que vou ser. Obrigado JVC.
Ao atravessar a ponte 25 de Abril não sabia muito bem em que direcção seguir, sentia-me perdido, acabei por ir parar onde acho que a maldade natural das pessoas não está instalada. Fui bem recebido, não esperava outra coisa, fui genuinamente bem recebido, sem falsidade, sem hipocrisia, sem mentiras ou calúnias… sem a falsidade de um “serás bem recebido” que desnecessariamente só serviu para esconder uma tomada de posição auto-imposta e contrária à própria natureza (e contrária à vontade de quem a tomou, desengane-se) da pessoa em causa. Enfim, perco-me em devaneios…
Nem sei o que fui fazer para aqueles lados, mas sei que o não foi destino me levou até ali, foi a força de lutar por algo em que se acredita, foi o tentar, tentar tudo, tentar sem ser só dizer que se vai tentar (fiquei vacinado contra esse tipo de tentativas).
Às vezes as pessoas fazem coisas opostas ao que querem realmente fazer, outras vezes simplesmente é o melhor que sabem fazer, e nessas alturas fazem merda, sei bem o que isso é, rodeia-me, não é o meu caso, mas acaba sempre por sobrar para mim…
Dessa viagem ao outro lado do Tejo sobrou-me solidariedade, simpatia, compreensão e uma verdadeira noção de que, como tenho dito, não podemos escolher a família que temos… e dentro da família, temos sorte e temos azar, temos bom e temos mau, e isso é tudo quanto nos basta para saber (ou não) escolher o que fazer, tomar as decisões correctas sem ficar exposto às conveniências e às teimosias limitantes dos outros
Esta noção aplica-se de um modo geral às pessoas que conhecemos, família ou não. Ou se sabe discernir (mesmo que doa por dentro ter que o fazer), ou perde-se para sempre a liberdade de escolha!
No caminho de regresso apeteceu-me ir beber um copo a um sítio qualquer, mas uma música do “H” insistiu em me foder os planos:
“I ran away
And away
And way
But you hide
In all the places
I try to hide”Não me consegui lembrar de um local isento e tranquilo onde beber um copo, é o que nos sobra quando partilhamos tudo o que temos, tudo o que somos… perde-se a própria individualidade, não sobra nada de nós próprios.
(...)
...e enquanto rolo no asfalto, sem destino definido, o mundo que deixo para trás vai desabando no retrovisor, sem nada que eu possa fazer para o impedir de desabar. Quem lá fica não fica melhor, ilude-se e é o melhor que consegue fazer. Tentei tudo, nem vale a pena descrever. Simplesmente contemplo o desabar de uma castelo de cartas, um saco de sonhos banais e pouco originais em que embarquei sem já saber porquê, sonhos usados e velhos e que nem são meus. Sonhos perdidos, esquecidos, adiados, abandonados... sonhos de quem não conhece muito mais do que fantasias mas cujos sonhos eu resolvi adoptar no dia em que decidi acreditar que valia a pena lutar.
Quanto aos meus sonhos, esses estão cá todos (não sei muito bem onde), na amalgama de destroços que trago comigo, num amontoado de caixas... Hoje sobrou-me o que um belo dia arrumei na prateleira quanto decidi assimilar um rumo diferente, uma decisão que não tomei sozinho. Adiante.
Enquanto o carro avança, a paisagem, laivos de verde e azul, de cinzento e vermelho rubro, desfila no canto dos meus olhos como traços de pincel que Alguém não teve mão firme para pintar. No assento vazio ao meu lado morre uma papoila...
O veículo é uma máquina do tempo avariada; Vejo o futuro que está em frente mas está tudo tremido. Avanço no presente, faço-me destemido, e deixo para trás o passado... Nada disto estava planeado... A metáfora é uma vã ilusão de escape à realidade, como se a cada quilometro de estrada, a cada pincelada, uma nova realidade se fosse construindo... Vã ilusão... Vejo tudo desfocado e a estrada não me leva nem para onde quero ir nem de volta para ficar.
Só me resta continuar a andar, encontrar outros motivos para lutar, já agora por mim, para variar...
...e vem-me à memória uma frase batida:
Why did you hurt the very one that you should have protected…?Adenda: Sempre disse que iria andar triste uns dias, e que depois a coisa passava...
Passou depressa!