Auto-Consciência
Ao olhar para o espelho que acabei de encostar sobre as torneiras cromadas apercebo-me que naquela posição o espelho só vai servir para eu me esquecer de fixar os azulejos e volto a coloca-lo no chão. Hoje não preciso de espelho...
Ajusto o pente da máquina numa medida curta sem ter a certeza se é a medida certa, mas também pouco me importo com isso. Asseguro-me contudo que a água não está a correr, porque há riscos que não vale a pena correr, e ligo a máquina. O barulho do motor electrico ressoa nas paredes e rasga o silêncio da madrugada, mas ainda é cedo demais para aumentar o volume da música e para cantorias na casa-de-banho...
Sem me aperceber sou assaltado pela memória de palavras já escritas sobre um momento parecido com este, intimo e privado, e vejo-me automaticamente a tomar notas mentais das palavras que quero agora escrever.
Inclino a máquina num ângulo de 45º e faço uma passagem lenta de baixo para cima, da barriga para o peito, e constato que escolhi a medida certa, a medida daquele "está bem assim" que ainda me ecoa na cabeça. Repito o movimento 3 centimetros ao lado e observo a virilidade dos meus pêlos a cair como penas negras e finas no branco do chão... Contornar os mamilos é como uma prova de pericia, tantas vezes repetida até se conseguir fazer de olhos fechados, ou no caso concreto sem precisar de ter um espelho à frente para medir as distâncias. A expressão "sexualidade-a-metro" cruza-me o espirito e faz-me sorrir, e embora não me reveja nela, interiormente, é mais ou menos disso que estou a tratar, só que não preciso de espelho... Ao percorrer o relêvo dos músculos do peito ocorre-me que paguei adiantado um Verão inteiro de ginásio e que não ponho lá os pés há mais de um mês, e para quê? Por uns breves momentos de pausa mental a não pensar em mais nada do que em empurrar, puxar e manipular ferros e mecanismos anaérobicos... estranha terapia, ou talvez não... Gradualmente esse remédio tornou-se eficaz e passou a fazer efeito durante todo o dia - e durante toda a noite - e deixei de precisar de me refugiar num ginásio 2 horas por dia. Ao lembrar-me de tudo o que o provocou, digo a mim próprio que "já passou", como quem o diz a um puto que caiu e se levantou a chorar com o joelho esfolado.
...já passou, já passou...
Sempre soube que assim seria, que acabaria por passar, e constato-o e sei que tal como ontem, e no dia anterior, e antes desse, não vou voltar a pensar, e mesmo que me lembre, já não me vai inflamar ...tenho tanto e tão melhor em que pensar, tão mais importante!
Concentro-me a passar com a máquina na cova de cada uma das axilas, lentamente, como se cada pêlo cortado fosse copiosamente negociado entre as lâminas e a pele... Lá fora o dia começa a raiar e o barulho da rua substitui o da máquina já limpa e arrumada. O duche soube bem e a directa que fiz esta noite não se perdeu nos 500 Kms de estrada tranquila que ficaram para trás.
Depois da limpeza mecânica das loiças da casa de banho, fruto de alguma auto-disciplina que gradualmente começo a recuperar, volto a pôr o espelho sobre as torneiras e contemplo a cara por barbear e as marcas dos excessos que os anos já começam a não conseguir disfarçar. Sinto-me bem com o cabelo cortado curto e com os pêlos bem aparados, gosto de cada história que cada cicatriz tem para contar, e gosto de me ver assim, sem argola nem tatuagem e com brilho no olhar.
De facto o meu reflexo numa superficie espelhada não diz nada de mim, nem o dizem as palavras que escrevo, nem mesmo as que digo, e muito menos as que ouço, e no entanto...
"Muita parra e pouca uva" -Touché!
...e com este pensamento na cabeça deixo o espelho sobre as torneiras para não o deixar desarrumado no chão, saio e apago a luz. Tenho a certeza que não me vou esquecer de re-colocar os azulejos.
Já vestido penso nestas palavras que escrevo e... tenho um ataque de auto-consciência, mas pouco lhe quero acrescentar, mesmo assim liguei o PC e deixei a escrita fluir enquanto o leite arrefece no copo e o mesmo CD que estava a ouvir há 20 dias atráz recomeça a tocar.
Olho para o lado e vejo uma pequena pilha de livros que tenho tentado ler... -tenho tanto para aprender- ...não sei onde arranjei esta minha mania que sou o maior, mas de algum lado deve ter vindo e se rebuscar na memória...
Não!
Na memória agora não há nada que me interesse, nada que eu queira... O caminho agora é em frente e de qualquer forma eu sei que sempre que precisar, a memória lá estará para me ajudar, sempre foi assim!
Porque mais do que o que digo, eu sou o que faço, tal como fui o que fiz, e como serei tudo o que vier a fazer - e se não for eu a fazê-lo, ninguém o vai fazer por mim (e essa já aprendi há muito tempo!)
Como diz o poeta António Aleixo "Tenho fé nas almas puras / embora viva enganado / não troco esperanças futuras / pelas glórias do passado".
Dito isto, só me falta ir ver o Mar. Escrevo online outra vez...
Debut VIII
O princípio repete-se em mim
quando se esgota o passado
e eu re-invento-o assim
de derrotas calejado
porque o princípio é insistir
é continuar a tentar
é nunca desistir
é cair e levantar
é aguentar e resistir
e é ter brilho no olhar
o princípio é inspirado
é uma luta que há em mim
é um fado respirado
sem princípio nem fim.
2007 (com 8 meses de atrazo)
O blog da Velocidade de Cruzeiro não acabou hoje, já devia era ter acabado "Aqui", e eu não teria perdido tanto tempo...
Adiante.
Valha-me a consciência, que tarda mas não falta, e por muito amargo que me tenha tornado, por muito incompleto que eu me sinta nos dias que correm, xxx xxxxx xxxxx xxx xx xx xxxxx xx, por muitos caminhos que tenha já percorrido, sei que ainda tenho muito que palmilhar.
É a puta da ironia que não me larga!
adenda: xxx = censurado
Ajusto o pente da máquina numa medida curta sem ter a certeza se é a medida certa, mas também pouco me importo com isso. Asseguro-me contudo que a água não está a correr, porque há riscos que não vale a pena correr, e ligo a máquina. O barulho do motor electrico ressoa nas paredes e rasga o silêncio da madrugada, mas ainda é cedo demais para aumentar o volume da música e para cantorias na casa-de-banho...
Sem me aperceber sou assaltado pela memória de palavras já escritas sobre um momento parecido com este, intimo e privado, e vejo-me automaticamente a tomar notas mentais das palavras que quero agora escrever.
Inclino a máquina num ângulo de 45º e faço uma passagem lenta de baixo para cima, da barriga para o peito, e constato que escolhi a medida certa, a medida daquele "está bem assim" que ainda me ecoa na cabeça. Repito o movimento 3 centimetros ao lado e observo a virilidade dos meus pêlos a cair como penas negras e finas no branco do chão... Contornar os mamilos é como uma prova de pericia, tantas vezes repetida até se conseguir fazer de olhos fechados, ou no caso concreto sem precisar de ter um espelho à frente para medir as distâncias. A expressão "sexualidade-a-metro" cruza-me o espirito e faz-me sorrir, e embora não me reveja nela, interiormente, é mais ou menos disso que estou a tratar, só que não preciso de espelho... Ao percorrer o relêvo dos músculos do peito ocorre-me que paguei adiantado um Verão inteiro de ginásio e que não ponho lá os pés há mais de um mês, e para quê? Por uns breves momentos de pausa mental a não pensar em mais nada do que em empurrar, puxar e manipular ferros e mecanismos anaérobicos... estranha terapia, ou talvez não... Gradualmente esse remédio tornou-se eficaz e passou a fazer efeito durante todo o dia - e durante toda a noite - e deixei de precisar de me refugiar num ginásio 2 horas por dia. Ao lembrar-me de tudo o que o provocou, digo a mim próprio que "já passou", como quem o diz a um puto que caiu e se levantou a chorar com o joelho esfolado.
...já passou, já passou...
Sempre soube que assim seria, que acabaria por passar, e constato-o e sei que tal como ontem, e no dia anterior, e antes desse, não vou voltar a pensar, e mesmo que me lembre, já não me vai inflamar ...tenho tanto e tão melhor em que pensar, tão mais importante!
Concentro-me a passar com a máquina na cova de cada uma das axilas, lentamente, como se cada pêlo cortado fosse copiosamente negociado entre as lâminas e a pele... Lá fora o dia começa a raiar e o barulho da rua substitui o da máquina já limpa e arrumada. O duche soube bem e a directa que fiz esta noite não se perdeu nos 500 Kms de estrada tranquila que ficaram para trás.
Depois da limpeza mecânica das loiças da casa de banho, fruto de alguma auto-disciplina que gradualmente começo a recuperar, volto a pôr o espelho sobre as torneiras e contemplo a cara por barbear e as marcas dos excessos que os anos já começam a não conseguir disfarçar. Sinto-me bem com o cabelo cortado curto e com os pêlos bem aparados, gosto de cada história que cada cicatriz tem para contar, e gosto de me ver assim, sem argola nem tatuagem e com brilho no olhar.
De facto o meu reflexo numa superficie espelhada não diz nada de mim, nem o dizem as palavras que escrevo, nem mesmo as que digo, e muito menos as que ouço, e no entanto...
"Muita parra e pouca uva" -Touché!
...e com este pensamento na cabeça deixo o espelho sobre as torneiras para não o deixar desarrumado no chão, saio e apago a luz. Tenho a certeza que não me vou esquecer de re-colocar os azulejos.
Já vestido penso nestas palavras que escrevo e... tenho um ataque de auto-consciência, mas pouco lhe quero acrescentar, mesmo assim liguei o PC e deixei a escrita fluir enquanto o leite arrefece no copo e o mesmo CD que estava a ouvir há 20 dias atráz recomeça a tocar.
Olho para o lado e vejo uma pequena pilha de livros que tenho tentado ler... -tenho tanto para aprender- ...não sei onde arranjei esta minha mania que sou o maior, mas de algum lado deve ter vindo e se rebuscar na memória...
Não!
Na memória agora não há nada que me interesse, nada que eu queira... O caminho agora é em frente e de qualquer forma eu sei que sempre que precisar, a memória lá estará para me ajudar, sempre foi assim!
Porque mais do que o que digo, eu sou o que faço, tal como fui o que fiz, e como serei tudo o que vier a fazer - e se não for eu a fazê-lo, ninguém o vai fazer por mim (e essa já aprendi há muito tempo!)
Como diz o poeta António Aleixo "Tenho fé nas almas puras / embora viva enganado / não troco esperanças futuras / pelas glórias do passado".
Dito isto, só me falta ir ver o Mar. Escrevo online outra vez...
Debut VIII
O princípio repete-se em mim
quando se esgota o passado
e eu re-invento-o assim
de derrotas calejado
porque o princípio é insistir
é continuar a tentar
é nunca desistir
é cair e levantar
é aguentar e resistir
e é ter brilho no olhar
o princípio é inspirado
é uma luta que há em mim
é um fado respirado
sem princípio nem fim.
2007 (com 8 meses de atrazo)
O blog da Velocidade de Cruzeiro não acabou hoje, já devia era ter acabado "Aqui", e eu não teria perdido tanto tempo...
Adiante.
Valha-me a consciência, que tarda mas não falta, e por muito amargo que me tenha tornado, por muito incompleto que eu me sinta nos dias que correm, xxx xxxxx xxxxx xxx xx xx xxxxx xx, por muitos caminhos que tenha já percorrido, sei que ainda tenho muito que palmilhar.
É a puta da ironia que não me larga!
adenda: xxx = censurado
3 passageiros clandestinos:
Deste uma volta enorme nos teus "re-posts" para vires admitir o que já tinhas admitido antes. Se foi mais uma terapia não dá para perceber se foi para ti ou se foi para quem te lê. Não achas que estás a confundir alguém que sabe quem tu és com alguém que te conhece? (são coisas diferentes).
Muita parra e pouca uva, LOL ;)
Deusa, (já cá faltavas)
Se há confusões entre saber-se quem eu sou e julgar que se me conhece, não sou sou eu a fazer essa confusão!
Quanto ao resto, Parras e Uvas são coisas efémeras, tal como na vida, há anos de colheita bons e anos menos bons. O que interessa é perceber de póda!
Volta sempre
F
Andam deidades por estes lados? ;)
Quer-me parecer que não tens parado de palmilhar caminhos, e que a cada passo que dás, mais forte e menos amargo que tornas. Estou enganada? Acho que há muito mais uvas do que parra.
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