quinta-feira, agosto 21, 2008

Saído da colecção de cartas por enviar

Bordeus, Julho, 2001

Pa, nao ha acentos nem cedilhas neste teclado

Bikinho & Vinix

Ha bastante tempo que nao vos escrevo umas linhas… Estava aqui na minha rotina matinal quotidiana, barba, dentes, cafe, preguica para tomar banho etc… Puz-me a ouvir umas cassetes que fui buscar ontem a noite a um caixote esquecido na garagem: Silent poets, deep forest, Morphine, US3, pizzi cato, leftfield, goldie, hurban spieces, spearhead, arrested development, cafe del mar e outras cenas esquecidas, cenas loucas que foram voces que me mostraram mas que nao conheco o nome…
…e comecou assim de repente, no meu pensamento, uma viagem nostalgica (demais) por um passado de que quase me lembro como que fosse ontem, mas que sinto como se fosse ainda hoje. E voces os dois, cabroes, fazem parte disso!
E assim simplesmente, tive um impulso irresistivel para me sentar e escrever-vos umas palavras, sem saber muito bem o que dizer, como se esse gesto de vos escrever como fazia dantes fosse um gesto magico e me transportasse para um pouco mais perto desses momentos e sentimentos que vivi, e que se espalham por varios anos, por varios paises… momentos passados e sentimentos esquecidos, mas que por vezes me parecem fazer muito mais sentido do que a vida que levo hoje. Nada disto estava planeado...
Penso frequentemente no passado (no meu passado), e diferencio periodos bem distintos como os dois anos antes de partir para Inglaterra (93 a 95), lembro-me de fazer o meu 12 ano pela N-esima vez a melhorar a média, das noites passadas com o Eric a ouvir XFM e no feeling de pertencer aos filigrees, lembro-me de como tinha sobrevivido a ruptura com a Carla e como estava tao loucamente apaixonado pela Hilary, lembro-me das tardes perdidas no Kalafrio a escrever poesia enquanto o Bikinho a fazia desenhos (duas magnificas exposicoes no Tamariz perpetuaram esses momentos), lembro-me das incursoes de surpresa na Matinha a ir ver como era a TVI e de sentir-me importante porque o meu amigo Vinix trabalhava la e mandava naquilo tudo.
…e depois, num dia de Setembro de 95, meti tudo dentro do carro e com a roda da bicicleta-confiscada-a-minha-irma a sair pela janela, “beijinho Mama prometo que volto”, e fiz-me a estrada como um louco, embriagado com sabor da aventura, intoxicado de vontade de vencer, inchado de orgulho e a imaginar o que seria que o meu Pai teria dito desta minha decisao.

Comecava o periodo APC (Applied Psychology & Computing)

Nao me esqueco do primeiro Inverno que passei em Bournemouth, na Universidade e do primeiro natal passado sozinho com 42 de febre em frente da televisao, lembro-me do meu super carro preto classico de 74, Maquina Infernal, e na falta que todos voces me fizeram. Arrepio-me de pensar no estomago e na forca que tive de desenvolver para aguentar o meu “exilio forcado”, nos empregos mitras para ajudar ao custo da vida de boemia… Mas esse primeiro ano em Bournemouth valeu todos os esforcos que fiz para atingir o meu objectivo de ir para Inglaterra, vida nova, pessoas interessantes, altas boites e noitadas, estudos de psicologia da bola e… grelo como o caracas! Esse foi o periodo “pre-Hayley”, que foi o melhor que passei desde que parti…
Depois veio a derrapagem da Hayley, a cegueira de pensar com os ditos em vez de pensar com a cabeca… Varios arrependimentos sobrevivem dessa relacao, lacos soltos e nao vou descansar enquanto nao reparar as broas que provoquei, passou-se em 96-97… perdi amigos valorosos, perdi a auto-confianca e anos de vida, destrui a auto-estima, contrai dividas e quase trai confiancas… Mas o pior de tudo foi que me fodi no segundo ano da Universidade, o que me deixou numa situacao bastante delicada em relacao a minha Mae e a minha familia. Foi sem duvida um periodo negro da minha vida. (contudo, aquela minha entrada no aeroporto de Lisboa quando voces todos me foram esperar ficou registado como um dos momentos mais bonitos que passei)…
Quando as lagrimas secaram e o coracao voltou a bater, apercebi-me de que algo em mim nao se tinha ido abaixo, uma pequena luz manteve-se acesa, algo do fundo de mim que sobreviveu. Foi isso que me fez combater o ocio a que me tinha entregue e do qual me foi tao dificil sair… Lutei alem dos limites que conhecia, agarrei-me a essa pequena chama que insistentemente se manteve acesa e veio enfim o periodo da absolvicao, uma manobra mais ambiciosa ainda do que vir para Inglaterra, talvez porque ja nao tinha nada mais a perder… e assim, numa tarde de Sol em Setembro de 97, noutra cidade, inscrevi-me num prestigiado Curso duplo e intensivo de Gestao e Comercio Internacional, em duas Universidades diferentes e em dois paises diferentes, e em duas linguas diferentes, e com duas licenciaturas a minha espera ao fim de 4 anos…

Comecou assim o periodo EBP (European Business Program, o nome do meu curso).

Portsmouth nao tinha nada a ver com Bournemouth, E uma cidade que foi bombardeada durante a guerra e reconstruida as tres pancadas pelo plano Marshal, tem um povo muito mitra e reles, uma base naval militar, enfim, é buraco industrial… Mas a Universidade E uma das melhores de Inglaterra e a cidade fica A beira do mar o que para mim chega perfeitamente para esconder o lado triste e cinzento e so ver o lado bom, a visao do mar sempre foi um escape para mim…
O primeiro semestre foi outra tomada de leviandade a redescobrir a pinta-brava que ha em mim. Basicamente deixar as bifas baterem-me o coiro, noitadas, alguns fumicios, copos e claro, bicicletas roubadas (porque E impossivel voltar para casa a pe a meio da noite estando bezano) e ainda, como uma cereja no topo de um bolo de chantilly, o meu sobrinho Manel estava tambem na mesma universidade (desistiu do 2º ano do Tecnico para vir ter comigo)…
Abriu-se assim uma nova perspectiva de estar em Inglaterra sem me sentir isolado. A auto-estima essencialmente surgiu também do facto de ter passado os exames do primeiro semestre com uma perna atras da costas, e entao, feito de conhecimentos e amigos novos e de curso cosmopolita, quando dei por ela ja estava a caminho de Bordeus, em Fevereiro de 98, para os proximos 18 meses dos cursos.
Conheci a Maria (flores cairam do ceu e tal) nessa altura. A vida em Franca E diferente, mais latina, mas os Bordelenses teem a mania das aristocracias da mitra e dos proprietarios de vinhas… Grandes cromos! Imaginem que uma coisa tão comum como ter um "de" no nome me da previlegios e mordomias em todo o lado. Enfim, a minha escola (superior de comercio de Bordeus) E tambem bue elite (escola privada). Ao contrario de Portugal nao tem nada a ver com a universidade do estado (segregacao total, aceite e reconhecida mesmo pela administracao publica, por exemplo, pessoal com um diploma da minha escola tem um salario em media 20% mais elevado do que o pessoal com o mesmo diploma de uma universidade publica, incrivel!). Enfim, igual a mim mesmo dava-me tanto com o pessoal do meu curso como com os locais, e E bem bom conhecer pessoal local… Passados esses 18 meses (incluindo um segundo estagio de 6 meses numa empresa de import-export) ja estava outra vez a caminho de Inglaterra para os 18 meses seguintes, isto ja em Setembro de 99… A Maria seguiu para a Holanda o que fez com que eu fosse a Rotterdam dar assistencia e fazer uns fumicios e incursoes a bares de red light district de 2 em 2 semanas… Novo milenio e tal, outro estagio como Marketing Manager de um jornal local perto de Londres, um penalti roubado ao Abel Xavier na meia final Portugal-Franca e, embora um novo precauco se tenha passado la por terras da ganza (nao E so a minha carne que E fraca), em Fevereiro de 2001 ja estava outra vez em Bordeus para o ultimo semestre do curso (...e desforrei-me do tal precauco como gente grande!).
Em Junho recebi o meu diploma de graduacao da Universidade de Portsmouth, e este mes recebo o respectivo diploma da escola superior de comercio de Bordeus, e vejo assim coroados de exito os esforcos e os sacrificios destes ultimos quase 8 anos (foi em fevereiro de 94 que fui a Inglaterra visitar a Carla, que conheci a Hilary e que decidi que ia estudar para Inglaterra, parece que foi ontem)...e agora Sr Dr (a dobrar!).
Acabou esta viagem louca, esta aventura, “Papa, podes finalmente sentir-te orgulhoso de mim!”

…e agora?

Estamos no presente, tenho andado a fazer um “reality check” para ver em que pe estao as coisas e como anda a minha vida… Nunca foi parte dos meus planos ficar por ca, prometi a minha Mae que “vou, venco e volto”, mas hoje vivo com a Maria ha mais de 4 anos, nao estou a contemplar deitar isso pela janela fora. Ela ja esta a trabalhar como Quadro Medio de uma multinacional de grande distribuicao (Grupo Auchan), e com a minha ajuda resolveu a situacao diplomatica dela e tem um visto de residencia e de trabalho em Franca. A minha consciencia esta tranquila.
O BNP Paribas veio-me contratar directamente A Universidade mesmo antes dos exames finais e de sair a nota da tese. (fiquei a saber que a minha classificacao do curso esta entre os 10 primeiros em mais de 120!). Comeco a 15 de Setembro, na sede do BNP em Paris, a fazer o Marketing duma cena que nem sei bem o que E... "Fonds de roulement", uma especie de investimentos tipo private banking, acho eu... o job é mesmo na esquina da rotunada do Arco do Triunfo com a Avenue Foch (num edificio que foi sede dos Nazis durante a ocupacao, imagine-se!). O BNP paga bem para caralho! Mesmo assim tenho enviado candidaturas, um pouco por toda a Europa, Paris, Londres, Lisboa. Não sei se me quero mudar para Paris, nao ha guita que pague eu nao me sentir bem num sitio... e estou saturado de me sentir sempre... estrangeiro.
Entretanto e ate la ainda faltam 3 meses e aquele negocio de design grafico que montei na minha garagem da para pagar a renda, meter benzina no honda e ainda tenho tempo para passear a beira rio e escrever poesia nas mil e uma esplanadas que ha em Bordeus.
Por vezes tenho uma ideia que me parece mais brilhante, tipo comecar outro negocio, oportunidades nao faltam, montar uma empresa mais credivel do que na minha garagem… Mas apercebo-me de que nao so preciso do guito inicial mas tambem de acumular mais experiencia… Os anos todos que trabalhei em Portugal antes desta viagem estao algo desatualizados…

Mas nao sera este o comeco da proxima aventura?

Bom, caros amigos, espero que estas palavras vos encontrem de boa saude e tal e coiso, que a vida vos corra bem e que nao falte pito para vos alegrar a gaita.
Devo ir a Portugal brevemente, Agosto ou coisa que o valha, vao estar ai ou vao reconhecer o terreno dos acores... outra vez?!

Ah, em Janeiro estive em S. Petersburg, que loucura, depois conto. e em Fevereiro estive em Budapest, outra loucura, depois conto tambem, e mostro as photos.

De resto, totil power da bola birinight e beijinhos nas respectivas.

F

PS, Curtam a foto da minha gata, chama-se “fascistik” (pequeno fascista em Russo), neste dia estavam 26 graus negativos!

0 passageiros clandestinos:

Chamar a hospedeira para Enviar um comentário

<< Regressar ao cockpit