O meu primeiro Amigo
O Fernando foi o meu primeiro amigo. Conheci-o em 1975 a jogar à bola no jardim em frente de minha casa.
Depois disso, a maioria das minhas memórias de infância tem a presença dele.
Lembro-me particularmente do meu primeiro dia de aulas na escola primária, cruzei-me com o Fernando na rua e ele veio comigo para a escola, passou lá a manhã toda e só à hora do almoço é que a Dona Maria Angélica se apercebeu que tinha um menino a mais na sala.
Nos Verões eu e o Fernando íamos para a praia da azarujinha pescar peixe burro das poças deixadas nas rochas pela maré-baixa, ao sábado íamos à matiné ver filmes de desenhos animados, subíamos às arvores do jardim do Casino, fazíamos aventuras no pinhal da Quinta da Carreira, construímos um esconderijo no poço abandonado e fazíamos guerras de pedradas com o cascalho da linha do comboi. Foi com o Fernando que fiz a primeira travessia pelas rochas da praia da azarujinha para a praia do forte de Salazar, foi com ele que fugi de casa (um dia inteiro) e era com ele que todos os dias havia sempre uma desculpa para ir para a estação pedir o "pão por Deus" (o Fernando conseguia sempre mais escudos do que eu!).
Depois veio a adolescência, adoptamos o mesmo penteado à Duran-Duran, compramos motas, até partilhamos a mesma namorada durante uns tempos (se fosse hoje é que era!), fumamos juntos a primeira ganza, íamos juntos à boite e...
Não sei como aconteceu, o Fernando foi fazer o 12º ano para um liceu em Lisboa, afastou-se, arranjou uma namorada "agarrada" e agarrou-se ao cavalo mais depressa do que nós, os amigos dele, pudéssemos ter reparado a tempo de fazer qualquer coisa. Passados 6 meses estava a pedir na estação, mas já não era um puto a pedir o pão por Deus, era um adulto a ressacar do vício.
Depois os pais dele mandaram-no para a Suiça para fazer uma cura. Esteve lá um ano e voltou um homem novo, dinâmico, conversador, limpo e... seropositivo.
Não demorou 3 meses a cair no limbo outra vez, com mais estrago e com estrondo. Duma tuberculose valeu-lhe ser internado nos infecto-contagiosos do Hospital Egas Moniz, mas nem assim a sua rebeldia assentou. Um dia, já em fase terminal da doença o Fernando assinou a sua própria alta e fugiu do Hospital. No dia seguinte apareceu em S. João do Estoril, procurou-me e pediu-me que fosse a casa dele dizer aos pais dele que ele tinha voltado para casa. Subimos e da intransigência do pai dele surgiu uma discussão onde o Fernando só voltava para o hospital se o deixássemos dar mais um “chuto”, um último “chuto” como ele lhe chamou. Intercedi, disse-lhe que um chuto não, insisti e o melhor compromisso foi negociar um “fumo”, e se ele prometesse voltar para o Hospital depois eu até fumava com ele. A palavra dele foi suficiente para mim. Metemo-nos no carro, passamos no bairro do “fim do mundo” e eu comprei dois “pacotes” de cavalo a uma cigana. Fomos para a praia da torre em Oeiras e fumamos (eu que nunca tinha tocado em heroína fumei quase tudo para o poupar a ele), depois, cadavérico e moribundo mas sorridente, levei-o ao Hospital. Foi a última vez que o vi, morreu passadas duas semanas de agonia. Foi o meu primeiro amigo.
Depois disso, a maioria das minhas memórias de infância tem a presença dele.
Lembro-me particularmente do meu primeiro dia de aulas na escola primária, cruzei-me com o Fernando na rua e ele veio comigo para a escola, passou lá a manhã toda e só à hora do almoço é que a Dona Maria Angélica se apercebeu que tinha um menino a mais na sala.
Nos Verões eu e o Fernando íamos para a praia da azarujinha pescar peixe burro das poças deixadas nas rochas pela maré-baixa, ao sábado íamos à matiné ver filmes de desenhos animados, subíamos às arvores do jardim do Casino, fazíamos aventuras no pinhal da Quinta da Carreira, construímos um esconderijo no poço abandonado e fazíamos guerras de pedradas com o cascalho da linha do comboi. Foi com o Fernando que fiz a primeira travessia pelas rochas da praia da azarujinha para a praia do forte de Salazar, foi com ele que fugi de casa (um dia inteiro) e era com ele que todos os dias havia sempre uma desculpa para ir para a estação pedir o "pão por Deus" (o Fernando conseguia sempre mais escudos do que eu!).
Depois veio a adolescência, adoptamos o mesmo penteado à Duran-Duran, compramos motas, até partilhamos a mesma namorada durante uns tempos (se fosse hoje é que era!), fumamos juntos a primeira ganza, íamos juntos à boite e...
Não sei como aconteceu, o Fernando foi fazer o 12º ano para um liceu em Lisboa, afastou-se, arranjou uma namorada "agarrada" e agarrou-se ao cavalo mais depressa do que nós, os amigos dele, pudéssemos ter reparado a tempo de fazer qualquer coisa. Passados 6 meses estava a pedir na estação, mas já não era um puto a pedir o pão por Deus, era um adulto a ressacar do vício.
Depois os pais dele mandaram-no para a Suiça para fazer uma cura. Esteve lá um ano e voltou um homem novo, dinâmico, conversador, limpo e... seropositivo.
Não demorou 3 meses a cair no limbo outra vez, com mais estrago e com estrondo. Duma tuberculose valeu-lhe ser internado nos infecto-contagiosos do Hospital Egas Moniz, mas nem assim a sua rebeldia assentou. Um dia, já em fase terminal da doença o Fernando assinou a sua própria alta e fugiu do Hospital. No dia seguinte apareceu em S. João do Estoril, procurou-me e pediu-me que fosse a casa dele dizer aos pais dele que ele tinha voltado para casa. Subimos e da intransigência do pai dele surgiu uma discussão onde o Fernando só voltava para o hospital se o deixássemos dar mais um “chuto”, um último “chuto” como ele lhe chamou. Intercedi, disse-lhe que um chuto não, insisti e o melhor compromisso foi negociar um “fumo”, e se ele prometesse voltar para o Hospital depois eu até fumava com ele. A palavra dele foi suficiente para mim. Metemo-nos no carro, passamos no bairro do “fim do mundo” e eu comprei dois “pacotes” de cavalo a uma cigana. Fomos para a praia da torre em Oeiras e fumamos (eu que nunca tinha tocado em heroína fumei quase tudo para o poupar a ele), depois, cadavérico e moribundo mas sorridente, levei-o ao Hospital. Foi a última vez que o vi, morreu passadas duas semanas de agonia. Foi o meu primeiro amigo.
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