terça-feira, outubro 25, 2011

Do espasmo à maionese

Mal me apercebi o quanto de esguelha li, numa página de jornal virada rápido demais no café da esquina, que hoje as preocupações alheias vão custar mais do que as próprias preocupações por não poder fazer nada por elas... Mas rapidamente aquelas palavras fizeram-me voltar a página para trás. Que curiosa observação, como se fosse um reflexo situacional de um certo adivinhar da realidade, alheia entenda-se, e que ao ler aquelas palavras libertou em mim pequenos espasmos de traquejo que se manifestam a cada dia que passa, impressões que acordam com o primeiro pestanejar do despertar e que me fazem levantar por lados alternados da cama, para variar e aperceber-me que contudo nessa aparente aleatoriedade voluntária se esconde um padrão, e cai-me a moeda, realidade daquelas palavras, rotina disto, rotina daquilo; como se sem me aperceber me tivesse deixado enfim vencer, ou por falta de palavra melhor, convencer, mais do que conquistar, e viver assim a experiência do facilitismo, de acordar sempre igual, sem nada novo para mostrar, nada a mudar... e pelo entretanto adicional, mais abaixo no fundo da página, que também leio no jornal, e que gravo na memória fotográfica do telemóvel com vontade de gritar “Eureka” e partilhar, constato - ironia do caraças - que por mais que tente, não o consigo evitar, é-me impossível fugir do tal adivinhar, e encontro-me assim a repetir para mim próprio palavras já ditas e reescritas, uma surdina murmurada no pensamento que não sei se é o meu, ou do reflexo de mim no espelho que me entretém durante o lento percurso que o elevador leva para chegar ao 6º andar, que quase me faz enlouquecer com o tempo que me faz perder, e repito em monólogo o que o tempo, sozinho, não consegue mudar; rotina assim, rotina assado, que eu não combato a vontade de ir ou de ficar, porque mesmo que as minhas fibras me gritem para me libertar, nada me prende, de onde tenha que escapar…
…e o dia passa, e as palavras do jornal perdem o efeito que tiveram e o espasmo torna-se uma reacção natural, manifestação espontânea, fibras a acalmar. Subo as escadas para respirar e mantenho-me activo para não estagnar, e enquanto a chuva desfila na janela, apago a luz do quarto sem ter escolhido de que lado da cama me vou deitar, e o dormir não é mais do que o momento antes de acordar, mesmo sem saber se vou ter frio ou se vou transpirar, e ler outras palavras no jornal, tentar compreender porque me continuo a preocupar, e no entanto a continuar a acreditar, que ao contrário das palavras que leio, há sempre algo positivo que se pode acrescentar, uma simples reciprocidade no olhar, porque mudar não é mais do que uma versão complicada de se saber adaptar-se!


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