Febril em Abril
Enquanto lá fora a chuva lava as pedras desta cidade, cá dentro, celebra-se a liberdade. Ambiente molhado na rua, clima tórrido em casa, chuva que cada um chama sua, e liberdade em cada asa. Não tenho porque arrumar os cotos de velas espalhados por toda a parte, nas prateleiras, na mesa, no corredor, como uma arte... O silêncio desprende a minha atenção do aroma que ela deixou na cama. Na rua não se ouvem comoções de celebração, nem corpos na lama, nem há cravos no chão, que a liberdade passou perto, mas não a souberam aproveitar, perdeu-se a céu aberto, deixou-se dissipar, revolução desperdiçada, trocada por nada... Perco-me em sentimentos que em nada ligam entre si, como se o dia de hoje - como ontem - não fosse mais do que um meio de chegar até amanhã, dia que ainda não vi. Mudei a roupa da cama, troquei-lhe a cor e tirei-lhe o odor, mas guardei na memória o cheiro e o sabor. Sei que Abril é hoje, mas está tão longe, que o hábito que não faz o monge. Perderam-se de vista os cravos nos canos das armas e os abraços na rua, sentimentos em chamas. Perderam-se os sorrisos das fotografias de sépia, agora falsos, mostram cifrões e palavrões, e choram nas almas vendidas em spreads e acções. Trocam-se cravos por arroz, que o povo aguenta, este povo, aguenta tudo... Luto sem saber contra quê, luto por mim, inspiro sem saber o quê, com as palavras que escrevo sem saber porquê, e que me alimentam pela boca de quem as lê. Percorrem a minha mente pensamentos de rebelião, ordem instaurada na qual não me revejo, não seria nova revolução, apenas algo que não seja nada, um desejo, na cama onde ainda estivesse deitada, a liberdade de não ter que dizer nada, tocar na pele transpirada, direito de voto privado, equidade universal… O dia já vai alto, abril em sobressalto, amarrado ao capital. Eu sou o homem do leme, aquele que nada teme, guardo a liberdade de escolher ao que me deixar prender, porque estou em queda livre sem saber onde vou cair, preso a uma vontade de sorrir que mesmo que componha em palavras, não vai parar a chuva de chover nem a roubar-me a liberdade de escolher o que escrever. Abril fez deste povo uma cambada de amnésicos. Passa um dia e outro e mais um, e o tempo faz cinza da brasa, e eu perco-me em casa, na dor de garganta que sobra das viagens à Santa, no sabor a morangos pela manhã em que ao acordar não sinto que me envenenam a alma com uma maçã. Morangos vivos de cor, palavra que a rima com... sabor. Abril águas mil, no Norte ou no Estoril, lavar a alma que me acalma, despojos de guerra nesta terra, longe da praia e longe da serra, que o tempo tudo cura, que a vida é dura, cansa-me a idade, liberta a febre que me aquece assoberbado na realidade... porque outra maré cheia virá da maré vaza.
-Viva a Liberdade.
1 passageiros clandestinos:
Bem... fiquei com a voz embargada... Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.
Viva a liberdade de e com Abril!
Bjis :)
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