A alma na lama e os olhos no chão
A raiva, esmagada, é a única fonte de motivação que encontro, e contra a qual luto, fonte quase vislumbrada, sei que está lá mas não lhe quero tocar, luz à espreita, chama eminente, quase distante, arsenal escondido, uma bomba sem pavio ou um pavio sem fósforo... É o momento que me corrói, que se arrasta, inerte, perpetua-se na não inevitabilidade que sobra da sucessão dos dias e das horas e dos meses e das semanas e de intermináveis segundos, apoia-se e escora-se na experiência do passado e nos calos dos anos, porque o momento é inspirado nas memórias que dele sobram, memórias dispersas e amarelecidas pelo tempo como imagens de sépia que persistem, melancólicas e aditivas, que pouco valem, são promessas rasgadas e gritadas ao vento ou juradas em surdina, destinadas e adiadas, e depois calcadas, desprezadas e abandonadas, perdidas em vão como sonhos atirados pela janela, estatelados na calçada, por nada, para nada, sem nada a que lhe possa chamar importante, nem sequer necessidade, memórias de promessas quebradas, substituídas, mera teimosia vestida de vaidade, despida da cidade, na vida contida, compartimentada, banal... O momento entorpece os sentidos, prende-me no ostracismo voluntário, arrasta-me a alma pela lama e os olhos pelo chão, e abate-se assim, no orgulho, como um cão atropelado no asfalto, amputa-se do espírito, cala-se na voz e afoga a vontade esvanecida, tatuada no coração... e luto contra a maré, contra o desespero da batalha quase perdida e da guerra sem fim à vista, do medo da vitória pírrica, da vingança inútil, reacção tardia, e da lágrima derramada, repetida, ferida e sofrida, silenciada na dor da almofada, lágrima que é minha, vertida mas não perdida, por nada, porque a tristeza ao menos alimenta-me a raiva.
1 passageiros clandestinos:
A raiva pode ser uma muito boa motivação quando tudo o resto falha
J.A.
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