terça-feira, fevereiro 07, 2012

Luctor et emergo

Já não me lembrava da última vez em que fui a uma conferência, e ainda menos de uma conferência em que eu fosse um dos oradores… e orador sem pré-aviso? Isso ainda menos, essa nunca me tinha acontecido - já há muito tempo me afastei do mundo corporativo, por razões que só a mim me assistem - mas como costumo dizer, o mundo é uma ervilha, e em Lisboa ou no Porto, mal ou bem, se me anunciarem como perito (cof cof) em Internacionalização Corporativa (exportação integrada, para quem comprou os bilhetes mais baratos), então eu levanto-me, limpo a garganta com um discreto pigarrear e regurgito o relato de uma série de experiências e sucessos profissionais, ilustradas com bulletpoints de text book escritos a vermelho num quadro-branco, sem suporte power-point, sem discurso ensaiado, sem ponteiro laser e sem que nada disso faça algum sentido na vida que levo hoje, na minha profissão – que continua a mesma – e na total ausência de carreira, a tal carreira promissora e academicamente substanciada que abandonei em procura de algo melhor, e que nenhuma maleita fará alguma vez com que me arrependa de ter abandonado, por que o fiz primordialmente por mim… adiante.
Não obstante, confesso que a vaidade puxou o lustro ao veludo da bombazine camel do fato, e mesmo que nenhum participante tenha reconhecido o nó Double Windsor da minha gravata - porque não me revejo nos nós largos, estereotipados, assimétricos e grosseiros que os putos usam em Lisboa para se parecerem uns com os outros - pelo menos ouviram tudo caladinhos e aparentemente interessados, e se forem espertos, assimilaram alguma coisa. Contudo, estas iniciativas são sobretudo feiras de vaidades, e quando cheguei ao parque de estacionamento, no meio de tantas dívidas da Baviera e de Estugarda e de Leasings de empresa, só eu reparei que o meu velhinho Uno da Fabbrica Italiana Automobili de Torino desfilou orgulhosamente vermelho pelo empedrado, com todo o alento de ser meu e de já estar pago, e possivelmente também por eu o acarinhar intimamente com analogias comparativas com Peugeot 303 coupé cabriolet pininfarina do Tenente Columbo, sobretudo quando preciso que ele tivesse mais uns quantos centímetros cúbicos no motor Fire, e levo a 5ª ao red line como quem chicoteia com os ponteiros do relógio um cavalo que já leva o freio nos dentes. Caixinha de fósforos voadora.
Depois da conferência fui a Leça, terra sombria e terciaria, e visitei os escritórios da delegação Norte de um antigo empregador tornado amigo – o responsável pela minha intervenção na conferência - cuja SGPS líder Ibérica do seu sector eu contribuí para erigir – há tempo demais – liderando a fusão de 2 dos 3 departamentos chave (Comercial e Marketing, porque Produção não é a minha praia).
Olhando para trás, qual bola de borracha em rebound, estou entusiasmado com a minha nova - e singela – vida, mas na minha cabeça ecoa ainda, por vezes, a pergunta inesperada que me fez uma antiga cliente ao telefone: “Mas o que é que você foi para aí fazer?”
Pois…
Saí de Leça declinando o convite para jantar num daqueles restaurantes obscenamente caros de que já me desabituei, e aproveitei a proximidade para dar um saltinho ao IKEA de Matosinhos.
Comprei uma cama, uma cómoda e hesitei em comprar um roupeiro… Mas não, não quero nada na minha vida com caracter definitivo, ainda não. A cómoda dá-me jeito, e a cama serve o seu propósito, nem que seja apenas para precaver a eventualidade de alguma amiga resolver voltar a atirar-se encarpada para um colchão no chão e ir bater com a cabeça na parede… (não consigo pensar nesse episódio sem me escangalhar a rir). Comprei outras coisas, daquelas inutilidades que se compram compulsivamente no IKEA, mas que também servirão o seu propósito de facilitar o método de arrumação e organização das minhas coisas (e se já não lhes chamo as minhas tralhas, já é um princípio de qualquer coisa, desde que não lhe comece a chamar minha casa, está tudo controlado).
Consegui encafuar tudo dentro do carro (são muitos anos de viagens) mas deixei fechar a zona de restauração do Mar Shopping sem jantar. Pensei num McDonalds de desenrasque mas lembrei-me das incursões fantásticas que eu e a Ana fazíamos, em 2006, ao Porto, quando íamos ou vínhamos de Trás os Montes, e das Francesinhas fora de horas ao balcão d'A Brasileira. Foi onde fui Jantar, já perto da meia-noite. Depois saí e aproveitei ter deixado o carro num local bem iluminado para subir os Aliados, contornando a CMP no cimo da avenida, onde perguntei a um taxista parado na Trindade por um multibanco perto… indicou-me o bingo do Salgueiros ali ao lado… levantei 20 euros... e entrei sem pensar no assunto, sentei-me na zona de não-fumadores, pedi uma Imperi... errr... um Fino, e gastei 16 euros até à 8ª jogada, e ganhei 40 euros num bingo à 70ª bola. Big Smile, ganhar é ganhar. Arrumei o dinheiro no bolso do sobretudo e vim-me embora, sacar aquele bingo tirou-me a pica toda que estava a ter em ficar sempre a uma ou duas bolas de o conseguir. Com o lucro de 4 euros comprei um maço de tabaco, que já não comprava há vários dias. Ao descer a avenida fumei meio cigarro que me deixou a mão gelada e fiz-me à ponte do Infante em direção à autoestrada… eram perto de 3 da manhã quando me apercebi que deixei escapar a saída para Feira/S. João da madeira (algum prenúncio, pensei) e gramei 15 Kms extra até à saída de Estarreja para ter que voltar para trás pela N1. Estacionei o carro na rua, à porta do prédio, na ilusão de me levantar mais cedo para o descarregar antes de ir trabalhar sem ter que o ir buscar à garagem… Tenho assim uns pensamentos lúdicos quando estou cansado. Depois deitei-me, exausto, por uma última vez no colchão no chão a pensar que é dia de escola e teria que me levantar daí a 4 horas… Adormeci instantaneamente, como sempre. Se tivesse conseguido ficar uns momentos acordado a meditar teria pensado que mereço espairecer de vez em quando, muito de vez em quando, incidentalmente desta vez não esperei pelo fim-de-semana.
Foi na semana passada.


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