Capítulo 2
(Continua daqui)
Canal da Mancha, 22 de Setembro de 1995
Então Bikinho
Cá estou eu, Português a navegar de Espanha para Inglaterra num Barco Francês. A viagem está a correr bem mas tive um desatino com o Pacmobil que resolveu dar uma de fóssil e deixou de funcionar. Um problema qualquer na admissão de gasolina que faz com que tenha que ir sempre a ripar ou o motor afoga. Escusado será dizer que a serra feita a fundo foi uma aventura, pelo menos até ter que parar, de repente, por causa de umas obras… Pânico! O motor parou… Eventualmente lá me desenrasquei a tempo e cheguei a Santander, com a ajuda de um reboque Espanhol que me custou uma fortuna. Depois tive que empurrar o carro cá p’ra dentro, à mão (Que vergonha!) mas já estou no Bar a beber uma merecida Super Rock (isto ‘tá cheio de pito bravo). Não sei como vai ser o resto do caminho… Por agora vou ali sentar-me ao Sol, enrolar ‘uma’ e curtir Marillion no Convés.
Depois escrevo mais
Um abraço
Paco
PS: O desenho que me fizeste, com o pessoal todo a empurrar o meu carro, foi agoiro.
.
O Ferry era enorme, de fora parecia um prédio de 8 andares que tinham amarrado ali ao cais, todo branco com grandes letras de cada lado a dizer Brittany Ferrys em azul e vermelho e com montes de janelas e varandas. Lá dentro parecia um hotel de poucas estrelas mas suficientemente moderno, com luzes de halogéneo em todo o lado, com um Crew vestido de uniformes a condizer com a cor da alcatifa e com música de Centro Comercial
Instalei-me numa mesa do bar do convés superior, abri a mochila e saquei de uma caneta e de um bloco de papel liso com vontade de escrever qualquer coisa para imortalizar o momento. Sentia-me cansado mas sem vontade de dormir, era o fim da tarde e o movimento dos passageiros para cá e para lá mantinha-me desperto. Gradualmente apercebi-me que a maioria eram bifes que estavam a regressar a Inglaterra após umas férias baratas em Ibiza ou no Algarve, com escaldões do 3o grau, de meias brancas e sandálias, só podiam ser bifes.
Aumentei o som dos headphones para não estar a levar com a conversa deles e com os risos histéricos delas. O álbum ’Afraid of Sunlight’ dos Marillion nunca me pareceu tão apropriado para ouvir. Depois dos Simple Minds, nos anos 80, os Marillion tinham-se tornado na banda sonora da minha vida, fosse com o Fish – antigo vocalista do grupo - ou com o gajo novo, adorava aquele grupo.
O cansaço tinha passado e sentia agora uma espécie de paz interior, tipo uma pausa antes do próximo round de complicações, afinal de contas não tinha perdido o Ferry, mas tinha gasto bastante dinheiro e ia chegar a Inglaterra com um carro marado. Sentia-me também algo embriagado com o sabor da aventura que estava a viver, mais uma vez estava sozinho a passar por um episódio de alta excitação e não tinha ali nenhum dos meus amigos para comentar e partilhar o momento (tinha passado os dois últimos anos assim…) Resolvi escrever para o meu amigo Bicó:
Instalei-me numa mesa do bar do convés superior, abri a mochila e saquei de uma caneta e de um bloco de papel liso com vontade de escrever qualquer coisa para imortalizar o momento. Sentia-me cansado mas sem vontade de dormir, era o fim da tarde e o movimento dos passageiros para cá e para lá mantinha-me desperto. Gradualmente apercebi-me que a maioria eram bifes que estavam a regressar a Inglaterra após umas férias baratas em Ibiza ou no Algarve, com escaldões do 3o grau, de meias brancas e sandálias, só podiam ser bifes.
Aumentei o som dos headphones para não estar a levar com a conversa deles e com os risos histéricos delas. O álbum ’Afraid of Sunlight’ dos Marillion nunca me pareceu tão apropriado para ouvir. Depois dos Simple Minds, nos anos 80, os Marillion tinham-se tornado na banda sonora da minha vida, fosse com o Fish – antigo vocalista do grupo - ou com o gajo novo, adorava aquele grupo.
O cansaço tinha passado e sentia agora uma espécie de paz interior, tipo uma pausa antes do próximo round de complicações, afinal de contas não tinha perdido o Ferry, mas tinha gasto bastante dinheiro e ia chegar a Inglaterra com um carro marado. Sentia-me também algo embriagado com o sabor da aventura que estava a viver, mais uma vez estava sozinho a passar por um episódio de alta excitação e não tinha ali nenhum dos meus amigos para comentar e partilhar o momento (tinha passado os dois últimos anos assim…) Resolvi escrever para o meu amigo Bicó:
Canal da Mancha, 22 de Setembro de 1995
Então Bikinho
Cá estou eu, Português a navegar de Espanha para Inglaterra num Barco Francês. A viagem está a correr bem mas tive um desatino com o Pacmobil que resolveu dar uma de fóssil e deixou de funcionar. Um problema qualquer na admissão de gasolina que faz com que tenha que ir sempre a ripar ou o motor afoga. Escusado será dizer que a serra feita a fundo foi uma aventura, pelo menos até ter que parar, de repente, por causa de umas obras… Pânico! O motor parou… Eventualmente lá me desenrasquei a tempo e cheguei a Santander, com a ajuda de um reboque Espanhol que me custou uma fortuna. Depois tive que empurrar o carro cá p’ra dentro, à mão (Que vergonha!) mas já estou no Bar a beber uma merecida Super Rock (isto ‘tá cheio de pito bravo). Não sei como vai ser o resto do caminho… Por agora vou ali sentar-me ao Sol, enrolar ‘uma’ e curtir Marillion no Convés.
Depois escrevo mais
Um abraço
Paco
PS: O desenho que me fizeste, com o pessoal todo a empurrar o meu carro, foi agoiro.
Completei a carta com um desenho a traço grosseiro do meu protagonismo a entrar para o Ferry, arrumei a tralha na mochila e pedi outra cerveja ao balcão. Começava a sentir-me agradavelmente zonzo com o álcool no estômago vazio.
A viagem de Santander para Plymouth demora 28 horas, atravessa o Golfo da Biscaia na vertical, de sul a norte, em direcção à província Inglesa de Cornwall. O Mar não estava muito agitado.
O resto do dia passou-se sem grandes complicações, depois do jantar assisti ao show de variedades proposto pelos entertainers, conversei com alguns desconhecidos e desconhecidas ao bar e eventualmente sentei-me num sofá de uma das salas de televisão. Fumei alguns cigarros e vi os preparativos para um grande prémio de F1 - o Pedro Lamy lá se espetou outra vez nos treinos - depois vi um filme sem som com legendas em Francês.
Acabei por adormecer embalado pelo movimento pendular do barco e pelas vibrações da sala de máquinas que se faziam sentir em todo o lado.
De manhã acordei com uns putos a correr por entre as mesas e cadeiras. Tinha a memória de um sonho que tinha tido a desaparecer rápido demais da cabeça para me lembrar do que era...
O Sol estava mais pálido do que é costume mas mesmo assim uma claridade algo violenta entrava pelas altas janelas do convés. Esfreguei os olhos, levantei-me, fui lavar a cara e dar um novo look ao gel no cabelo, depois subi para o restaurante. Pedi um café e uma torrada que pelo menos serviram para praticar o meu Inglês falado, comi e fui ver se conseguia gastar mais dinheiro no duty free. Tudo caríssimo, comprei um volume de 200 cigarros. Depois encontrei uns bifes com quem tinha falado num café em Viseu, dois dias antes, estavam a fumar uma às escondidas no convés, autocolei-me a eles para poupar as que o João me tinha dado para a viagem e passou-se assim a manhã. Finalmente, a meio da tarde, num momento de reflexão a contemplar o Mar e o horizonte…
“Inglaterra à vista.”
Já tinha planeado a nova estratégia para chegar a Bournemouth: Assim que saísse do barco telefonava ao seguro, fazia um charmezinho chorado à gaja que me atendesse, ela enviava um mecânico agregado para constatar a avaria do carro, este se fosse mais competente do que o espanhol arranjava-me o carro, senão rebocava-o para uma garagem para ficar a arranjar. Depois levava-me a uma agência de aluguer de automóveis para me darem um carro de substituição. Felizmente os Bifes trabalham ao sábado…
“Está controlado.”
Atracámos às 16 horas GMT. Afinal não fui o primeiro a poder sair, o Ferry tem duas portas de acesso de veículos, uma atrás para entrar e uma à frente para sair, sendo assim acabei por apanhar uma seca de quase 2 horas e fui o último. A minha paciência começava a ser posta à prova. Um reboque especial para puxar atrelados de camiões TIR veio finalmente buscar-me e levou-me para fora do Ferry, já era de noite. Ao passar pelo controle de passaportes, o guarda fronteiriço olhou para mim com ar de quem nada o impressiona, não olhou para o meu BI mas olhou para o velho Datsun preto, coberto de poeira e carregado pelas costuras.
“-Quanto tempo vai ficar no Reino Unido?”
“-Três anos!” Respondi determinado.
A viagem de Santander para Plymouth demora 28 horas, atravessa o Golfo da Biscaia na vertical, de sul a norte, em direcção à província Inglesa de Cornwall. O Mar não estava muito agitado.
O resto do dia passou-se sem grandes complicações, depois do jantar assisti ao show de variedades proposto pelos entertainers, conversei com alguns desconhecidos e desconhecidas ao bar e eventualmente sentei-me num sofá de uma das salas de televisão. Fumei alguns cigarros e vi os preparativos para um grande prémio de F1 - o Pedro Lamy lá se espetou outra vez nos treinos - depois vi um filme sem som com legendas em Francês.
Acabei por adormecer embalado pelo movimento pendular do barco e pelas vibrações da sala de máquinas que se faziam sentir em todo o lado.
De manhã acordei com uns putos a correr por entre as mesas e cadeiras. Tinha a memória de um sonho que tinha tido a desaparecer rápido demais da cabeça para me lembrar do que era...
O Sol estava mais pálido do que é costume mas mesmo assim uma claridade algo violenta entrava pelas altas janelas do convés. Esfreguei os olhos, levantei-me, fui lavar a cara e dar um novo look ao gel no cabelo, depois subi para o restaurante. Pedi um café e uma torrada que pelo menos serviram para praticar o meu Inglês falado, comi e fui ver se conseguia gastar mais dinheiro no duty free. Tudo caríssimo, comprei um volume de 200 cigarros. Depois encontrei uns bifes com quem tinha falado num café em Viseu, dois dias antes, estavam a fumar uma às escondidas no convés, autocolei-me a eles para poupar as que o João me tinha dado para a viagem e passou-se assim a manhã. Finalmente, a meio da tarde, num momento de reflexão a contemplar o Mar e o horizonte…
“Inglaterra à vista.”
Já tinha planeado a nova estratégia para chegar a Bournemouth: Assim que saísse do barco telefonava ao seguro, fazia um charmezinho chorado à gaja que me atendesse, ela enviava um mecânico agregado para constatar a avaria do carro, este se fosse mais competente do que o espanhol arranjava-me o carro, senão rebocava-o para uma garagem para ficar a arranjar. Depois levava-me a uma agência de aluguer de automóveis para me darem um carro de substituição. Felizmente os Bifes trabalham ao sábado…
“Está controlado.”
Atracámos às 16 horas GMT. Afinal não fui o primeiro a poder sair, o Ferry tem duas portas de acesso de veículos, uma atrás para entrar e uma à frente para sair, sendo assim acabei por apanhar uma seca de quase 2 horas e fui o último. A minha paciência começava a ser posta à prova. Um reboque especial para puxar atrelados de camiões TIR veio finalmente buscar-me e levou-me para fora do Ferry, já era de noite. Ao passar pelo controle de passaportes, o guarda fronteiriço olhou para mim com ar de quem nada o impressiona, não olhou para o meu BI mas olhou para o velho Datsun preto, coberto de poeira e carregado pelas costuras.
“-Quanto tempo vai ficar no Reino Unido?”
“-Três anos!” Respondi determinado.
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